segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Babel na visão marxista da Teologia da Libertação II


5 – A Babel do sistema neoliberal globalizado
“Nas assembléias legislativas, nos governos, no mundo acadêmico, na mídia do mundo inteiro, inclusive nos púlpitos das Igrejas, não somente nas Igrejas protestantes dos Estados Unidos, em todas as partes se impõe ‘la pensée unique’/o pensamento único. Quem não se submete ao pensamento único fica excluído de todos os lugares importantes na sociedade. Já não pode falar ou, se falar, não será ouvido.” 

Esta constatação de José Comblin está no seu último livro sobre O neoliberalismo – Ideologia dominante na virada do século (Coleção Teologia e Libertação – Série VI – da Editora Vozes). O livro apresenta muito bem como a linguagem única e as palavras únicas da Babel moderna, ameaçam o futuro da humanidade. Seguindo as argumentações de Comblin, vamos dar uma panorâmica rápida da Babel neoliberal como conclusão hermenêutica de nossa reflexão sobre Babel. 

Os paladinos da ideologia neoliberal são cínicos em suas afirmações: 

“Os adversários do neoliberalismo são imorais! A economia liberal é por natureza global. Constitui o que é mais acabado na aventura humana. Deveríamos ser orgulhosos dela, individual e coletivamente, por termos contribuído a construí-la pelo nosso trabalho e pelos nossos votos” (Neoliberalismo, p. 11). 

Frases como estas foram proclamadas em junho de 1997. Poucas semanas depois deste hino, estourou a crise no Sudeste Asiático, caíram as economias na Coréia do Sul, na Malásia, na Tailândia, na Indonésia e milhões de trabalhadores foram jogados na rua, perderam o seu emprego e o seu dinheiro por terem acreditado nas promessas dos ideólogos neoliberais. Apesar dessas convulsões nas bolsas de valores que se repetem em várias partes do mundo, o neoliberalismo ainda não perdeu o seu prestígio intelectual. 

“Quando aumenta o desemprego em algum lugar do mundo, sobe a Bolsa de Valores. Os ricos aumentam a sua riqueza quando cresce a miséria das massas. O neoliberalismo justifica tudo” (Neoliberalismo, p. 13). 

O mundo mudou muito em 20 anos. Uma nova classe construiu para si um paraíso, uma Babel planetária, uma torre de riqueza cuja cabeça penetra os céus para o engrandecimento do próprio nome sobre a face de toda a terra. 

Quando Javé vai descer para confundir esta Babel, este monstro do mercado total que seqüestra a riqueza, imobiliza a produção, exclui a massa dos trabalhadores como inúteis, para meia dúzia de magnatas competirem no video game das Bolsas de Valores? 

Seja no início da história bíblica (Gn 12,1) como no fim da mesma (Ap 18,4) Deus chama a sair, a viver em ritmo de êxodo, a não se deixar transformar em estátuas de sal pela propaganda da ideologia neoliberal, e sim a viver a vocação de Abraão. 

Talvez hoje, nesta passagem do milênio, pela sensibilidade apocalíptica que respiramos no kairós jubilar, sintamos com mais força e em forma mais adequada a voz divina do Apocalipse que assim proclama: 

“Saia dela, meu povo, pois Babilônia, a Grande, caiu e tornou-se morada de demônios, abrigo de todos os espíritos maus, abrigo de aves impuras e nojentas. Saia dela meu povo. Não seja cúmplice dos pecados dela, nem atingido por suas pragas” (Ap 18,2-4). 

Saia de Babel, meu povo. Tome o caminho de Abraão, vá para a terra que eu lhe indicar, pois esta terra darei à tua descendência esqueça o programa neoliberal, as privatizações, a volatilização do capital financeiro, o jogo sujo para aumentar os capitais e gerar riqueza virtual, uma riqueza de papel que na realidade sacrifica bilhões de seres humanos. 

Saia dessa Babel, meu povo, pois nela a família fica desestruturada e desintegra-se numa coleção de consumidores, transformando-se numa justaposição de indivíduos que já não sabem comunicar (Neoliberalismo, p. 22). 

Saia de Babel, meu povo, pois a ideologia da globalização insinua-se no subconsciente. 

“Cada gesto, cada ato, cada palavra, cada sentimento, cada expressão, cada desejo vai adquirindo feições especiais, as feições da civilização dos Estados Unidos. As novas gerações bebem a ideologia neoliberal na sua Coca-Cola, no novo leite materno dado pela nova Mãe Universal” ( Neoliberalismo, p. 37). 

6 – A catedral (torre) da Babel neoliberal
O sistema neoliberal se apresenta também como uma grande catedral. 

“As empresas tratarão de comprar a colaboração das Igrejas, oferecendo-lhes um status interessante na sociedade... E as Igrejas estão ansiosas por recuperar visibilidade social, mesmo que se lhes imponha a missão de servir às grandes empresas... As Igrejas seriam máquinas de disciplinar os pensamentos e os desejos das pessoas. Fariam com os seres humanos o que a indústria faz com a matéria” (Neoliberalismo, p. 79-80). 

A sociedade neoliberal não deixa espaço para uma religião e teologia da libertação tipo Medellín e Puebla. Só cria espaço para os fundamentalismos. Por isso os povos latino-americanos buscam a salvação nas igrejas pentecostais. Estas oferecem uma religião “forte”, uma experiência de salvação – Jesus me salvou! –, um rigor moral implacável capaz de superar vícios. 

Na igreja católica aparecem movimentos semelhantes que também são exemplos de religião forte: expieriência religiosa forte, afirmação radical dos dogmas, defesa apaixonada dos preceitos morais, e tudo orquestrado por sociedades fortes e rigorosas como: Opus Dei, Legionários de Cristo e assim por diante (Neoliberalismo, p. 98). 

Nesta imensa catedral do sistema neoliberal, os meios de comunicação fazem, sem cessar, a propaganda da ideologia e do sistema. Neles o pensamento crítico é ignorado ou ridicularizado. Todos os noticiários anunciam vitórias, escondem derrotas, justificam desastres econômicos como pequenas falhas do sistema que estão sendo corrigidas, e tudo isto numa segurança arrogante típica do pensamento único. 

Por outro lado as empresas culturais de hoje, responsáveis pelo pensamento único, produzem o que mais se vende. O quantitativo substitui o qualitativo. Daí a degradação da cultura popular. 

“Grande parte da produção cultural é publicidade. Basta ver a TV, ouvir o Rádio, abrir jornais, revistas. Tudo está cheio de publicidade. Até as cidades transformam-se em painéis de publicidade... Cultura é publicidade! E os estímulos mais fortes da publicidade são dois: o sexo e a violência. Absurdo moralmente, mas não absurdo economicamente: a pornografia rende mais do que as universidades” (Neoliberalismo, p. 134). 

E quando a mídia se interessa pela religião é porque há sinais de dinheiro e para uma religião triunfar no sistema neoliberal precisa de muito dinheiro. Mas o sacerdote fica prisioneiro da imagem que a mídia transmite. Assim a religião entra na cultura do dinheiro. 

No Brasil quem começou foi a Igreja Universal do Reino de Deus. Existe o perigo de que agora todas as igrejas queiram adotar o modelo da Igreja Universal. 

“Este tipo de religião é degradante, infantiliza o povo e comete um verdadeiro roubo porque mente para extrair dinheiro” (Neoliberalismo, p. 138). 

Existe o perigo de transformar a evangelização em publicidade, para conquistar os indivíduos no mercado religioso. 

“A crítica é: precisa-se romper claramente com os métodos da Igreja Universal. Pois quem se deixa envolver neste círculo, não consegue mais escapar dele... O pior é que, em tal sistema, o povo estará feliz porque encontrará o que busca. Os agentes religiosos, felizes porque ganham prestígio social e muito dinheiro. Somente Deus terá motivo de queixa porque terão feito do seu evangelho um meio para enganar o povo” (Neoliberalismo, p. 139). 

Saia dela, meu povo! Não seja cúm,plice dos pecados dela, nem atingido por suas pragas. 

7 – A teologia do êxito num mundo desigual
No nosso sistema de hoje não existem somente sacerdotes que o sacralizam, mas também profetas que o denunciam. A propósito disso fazemos questão de citar resumindo um texto da biblista latino-americana Elsa Tamez, publicado em RIBLA, n. 30 (“Economia e vida plena”), p. 28-30: 

“Uma das caraterísticas mais marcantes do nosso mundo atual é a competitividade exacerbada em todos os níveis, uma competitividade promovida sem cessar pelos Meios de Comunicação que chegam a todas as partes do mundo pelo fenômeno da globalização. Todos e todas estamos sendo convocados a ser ganhadores e não perdedores... Mil conselhos sobre como ter êxito e prosperar economicamente. Esta ideologia do êxito torna possível que agora tenhamos os mesmos desejos, sonhos e modelos de vida. Esta ideologia do êxito tem também a sua teologia de suporte chamada evangelho da prosperidade, ou também confissão positiva: Nós cristãos somos filhos do Rei e portanto devemos viver luxuosamente como Reis. Cristo traz prosperidade não só espiritual, mas também física e material. 

O mercado se apresenta como alternativa para dar a felicidade e prosperidade material que todos desejam e a teologia da prosperidade anuncia essa felicidade e prosperidade material como direito adquirido de quem aceita Jesus Cristo como Salvador: a condição é a entrega à livre concorrência sem barreiras, fazendo assim a vontade de Deus. 

Não haveria problema se as promessas se cumprissem, mas a realidade é outra. Desemprego, pobreza crescente, desumanização, violência sem limites, deterioração do meio ambiente, colocam em evidência que as promessas do evangelho da prosperidade é somente para um pequeno número de ganhadores, excluindo deste paraíso sempre mais gente. 

Se o cristão entra na competição do mercado para prosperar materialmente, é obrigado a não conhecer nem a graça, nem a misericórdia, mas a perversidade da competição e, naqueles que não conseguem prosperar, o mundo dos pecadores e os possessos do demônio: os excluídos do mercado são catalogados como pecadores endemoninhados. Esta afirmação é falsa, desumana e cínica. Depois da exclusão é preciso demonizar os excluídos. A pobreza é uma manifestação do mal e do demônio, que está porém na lógica do mercado e não nas vítimas do mesmo. Não se trata de exorcizar os pobres, mas de condenar a lógica atual do mercado, o pecado estrutural do neoliberalismo, e buscar uma lógica na qual as pessoas ocupem o primeiro lugar e haja espaço para todos e todas.” 

8 – Conclusão
Depois de ter confundido os construtores da cidade e da torre – ou, melhor dito, para confundir os construtores do monstro de Babel –, Javé chama Abraão a buscar outra terra e outra bênção, outro sistema de vida, a migrar, a sair, a viver o êxodo. Nós cristãos do ano 2000, no kairós do grande jubileu, nos identificamos com essa chamada, com essa missão, com essa alternativa. “Todo mundo sabe que a utopia do nosso século é possível”, dizia Fernando Henrique Cardoso em 1978 (Siglo XXI, p. 36). 

Trata-se da utopia de resolver as necessidades básicas de todos os pobres do mundo. Os recursos existem e nem sequer exigiriam tantos sacrifícios por parte das classes dirigentes. Sucede que as classes dirigentes não se sentem responsáveis pela pobreza do mundo. 

Aqui, sem dúvida, as igrejas cristãs poderiam desempenhar um papel mais protagonista. E se é difícil motivar as estruturas religiosas e pastorais das igrejas como um todo, Deus continua chamando as minorias abraâmicas para viver e viabilizar no mundo esta missão alternativa. 

A igreja terá feito tudo o que estava a seu alcance para melhorar a situação acima descrita? Terá sido suficientemente profética? Ou estaria tão ocupada com seus próprios afazeres que não lhe sobra tempo para meter-se neste mundo? 

“Em contraste com o movimento do êxodo rural, que tem caraterizado as migrações nas últimas décadas em nosso país, o filme Central do Brasil nos convida a fazer um movimento em sentido inverso: o itinerário da volta. Volta para o ‘pai’. Volta à periferia, ao campo, ao sertão. Volta para lá onde tudo começou, muito longe do centro, bem distante dessa ‘Central’, que já não sabe mais por que, nem em relação a que é central. 

Ir em busca do ‘pai’ significa partir à procura da própria identidade, das raízes familiares, dos laços vitais que permitem que a pessoa não se sinta perdida no mundo. Talvez seja disto que o Brasil precisa no momento: voltar às nossas raízes culturais e naturais, não desprezar o que vem de nossas terras, do nosso interior, do nosso povo mais humilde, das raças oprimidas – negros e índios – que compõem nossa população pobre, nossos migrantes abraâmicos que vivem debaixo da perseguição e no exílio...” (Tereza Cavalcanti, em artigo de Tempo e Presença, n. 309, jan.-fev. 2000, p. 23). 

Encerramos o presente artigo com o Manifesto do Foro Internacional das Alternativas de 1998 que conclama a todos com um grito jubilar: 
Está na hora de reverter o curso da história. 
É tempo de pôr a economia a serviço dos povos. 
É tempo de derrubar o muro entre o Norte e o Sul. 
É tempo de encarar a crise de civilização. 
É tempo de rechaçar o poder do dinheiro. 
É tempo de sermos verdadeiros cidadãos. 
É tempo de voltar a valorizar os valores coletivos. 
É tempo de globalizar as lutas sociais. 
É tempo de despertar a esperança dos povos. 
Chegou o tempo das convergências. 
O tempo da ação já começou. 

Manaus, 22 de abril (500 anos de conquista, esperando outros 500).


http://www.itf.org.br/revistas/estudosbiblicos/68_2.php

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