Na última década, a resistência da criação a deixar-se manipular
pelo homem manifestou-se como um elemento novo no panorama cultural global. A
questão sobre os limites da ciência e os critérios a que ela deve se ater
tornou-se inevitável. Para mim, particularmente significativo desta mudança de
ambiente intelectual é o maneira diferente como se julga o caso
Galileu.
Esse fato, embora tenha recebido pouca atenção no século XVII, é
elevado, já século seguinte, a mito iluminista. Galileu aparece como uma vítima
daquele obscurantismo medieval que perdura na Igreja. Bem e mal estão separados
por um corte nítido. De um lado, encontramos a Inquisição: o poder que encarna a
superstição, o inimigo da liberdade e do conhecimento.
De outro, as ciências
naturais representadas por Galileu. Eis aí a força do progresso e da libertação
do homem dos grilhões da ignorância que o mantém impotente diante da natureza. A
estrela da Modernidade brilha na noite escura de trevas da Idade Média
(1).
De acordo com (Ernst) Bloch, o sistema heliocêntrico, bem como o
geocêntrico, é baseado em pressupostos indemonstráveis. Entre eles, desempenha
um papel preponderante a afirmação da existência do espaço absoluto, mas essa
opção foi, porém, anulada pela teoria da relatividade. Ele escreve,
textualmente:
“Dado que, com a abolição do pressuposto de um espaço vazio e imóvel,
não é mais produzido qualquer movimento nesse sentido, mas apenas um movimento
relativo de corpos entre si, e porque a medida desse movimento depende da
escolha do corpo tomado como um ponto de referência (...), hoje, como outrora,
se poderia supor a terra fixa e o sol em movimento”.
(2).
Curiosamente, foi Ernst Bloch, com seu marxismo romântico, um dos
primeiros a se opor abertamente tal o mito (iluminista), oferecendo uma nova
interpretação do que aconteceu.
A vantagem do
sistema heliocêntrico sobre o geocêntrico não consiste em uma maior
correspondência à verdade objetiva, mas ao fato de que nos dá uma maior
facilidade de cálculo. Até aqui, Bloch expõe apenas uma concepção moderna das
ciências naturais. Surpreendente, porém, é a conclusão que ele
tira:
“Uma vez dada como certa a relatividade do movimento, um antigo
sistema de referência humano e cristão não tem direito de interferir nos
cálculos astronômicos e sua simplificação heliocêntrica; mas tem o direito de
permanecer fiel ao seu método de preservar a terra em relação à dignidade humana
e de orientar o mundo quanto ao que vai acontecer e ao que aconteceu no mundo
(3)".
Se aqui ambas as esferas de conhecimento continuam claramente diferenciadas
entre si quanto ao seu perfil metodológico, reconhecendo tanto seus limites
quanto seus direitos, parece muito mais drástica, porém, a apreciação do
filósofo agnóstico-céptico P. Feyerabend. Ele
escreve:
“A Igreja
da época de Galileu foi muito mais fiel à razão do que o próprio Galileu, e
levou, antes, em consideração as conseqüências éticas e sociais da doutrina
galileiana. Sua sentença contra Galileu foi racional e justa, e só razões de
oportunidade política se pode justificar a sua revisão". (4).
Do ponto de vista das conseqüências concretas da reviravolta
galileiana, no entanto, CF von Weizsäcker dá mais um passo à frente quando ele
vê uma ligação diretíssima que conduz de Galileu à bomba atômica. Para minha
surpresa, em uma recente entrevista sobre o caso Galileu, nao me fizeram uma
pergunta do tipo “Por que a Igreja quis impedir o desenvolvimento das ciências
naturais?”, mas exatamente a pergunta oposta, ou seja: “Por Igreja não adotou
uma posição mais firme contra os desastres que iriam acontecer necessariamente,
uma vez que Galileu tinha aberto a caixa de
Pandora?”
Seria um absurdo construir com base nestas declarações uma
apologética apressada. A fé não cresce a partir do ressentimento e da recusa da
racionalidade, mas a partir de sua afirmação fundamental e sua inscrição em uma
razão maior. [...] Aqui eu quis recordar um caso sintomático que evidencia até
que ponto a dúvida da própria modernidade sobre si mesma tenha atingido hoje a
ciência e técnica.
(1)
Cfr. W. Brandmüller, Galilei und die Kirche
oder das Recht auf Irrtum, Regensburg 1982.
(2) E. Bloch, Das Prinzip Hoffnung, Frankfurt/Main 1959, p. 920; Cfr F. Hartl, Der Begriff des Schopferischen. Deutungsversuche der Dialektik durch E. Bloch und F. v. Baader, Frankfurt/Main 1979, p. 110.
(3) E. Bloch, Das Prinzip Hoffnung, Frankfurt/Main 1959, p. 920s.; F. Hartl, Der Begriff des Schopferischen. Deutungsversuche der Dialektik durch E. Bloch und F. v. Baader, Frankfurt/Main 1979, p. 111.
(4) P. Feyerabend, Wider den Methodenzwang, FrankfurtM/Main 1976, 1983, p. 206.
(2) E. Bloch, Das Prinzip Hoffnung, Frankfurt/Main 1959, p. 920; Cfr F. Hartl, Der Begriff des Schopferischen. Deutungsversuche der Dialektik durch E. Bloch und F. v. Baader, Frankfurt/Main 1979, p. 110.
(3) E. Bloch, Das Prinzip Hoffnung, Frankfurt/Main 1959, p. 920s.; F. Hartl, Der Begriff des Schopferischen. Deutungsversuche der Dialektik durch E. Bloch und F. v. Baader, Frankfurt/Main 1979, p. 111.
(4) P. Feyerabend, Wider den Methodenzwang, FrankfurtM/Main 1976, 1983, p. 206.
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