terça-feira, 26 de junho de 2012

Brasil: a Meca da Mediocridade

 (ENTREVISTA DO POETA E FILÓSOFO ÂNGELO MONTEIRO AO DIÁRIO DE PERNAMBUCO (24/06/2012)


Por que a arte se tornou um desastre? 

     Ângelo Monteiro - Estamos vivendo o império da antiarte. Em todos os setores. A maior parte do que se faz hoje em arte interessa mais à polícia de costumes do que ao domínio dela na cultura. Como o caso do costarriquenho Habacuc Vargas que, numa exposição, fez de um vira-lata uma instalação perecível. Até a morte do animal. Ou da artista plástica, acho que pernambucana, que fez de sua masturbação pública um ato de criação estética.


 A arte virou uma mescla delinquente de sua debilidade mental. Dentro desse quadro especial, no Brasil, você verifica que não há lugar para poesia dentro da cultura. Por quê? Se no âmbito internacional, isso ocorre, no Brasil, que é uma cultura periférica, a coisa é muito mais grave. O Brasil reflete e exporta o que há de pior. É a Meca da mediocridade.

Quem seriam os ideólogos do vazio?

AM - Por trás dessa teoria, existe uma tremenda doutrinação marxista. A ênfase na coletivização em detrimento do indivíduo. Ao mesmo tempo em que isso ocorre, enfatiza-se muito a celebridade. Acaba o indivíduo, mas cresce a celebridade. Parece contraditório, mas penso se tratar de uma compensação pela destruição da individualidade. 



Nem no romantismo tivemos uma valorização tão grande da figura do artista, porque tínhamos ainda a inspiração. Quando você evoca a inspiração, você admite algo que extrapola essa figura. É mais importante o artista enquanto instrumento da criação e não uma projeção de sua vaidade, de sua autossuficiência. Teóricos como (Gilles) Deleuze, (Jacques) Derrida e Michel Foucault passam a levar a sério tudo aquilo que não alcançou, até então, qualquer status na história da cultura. 


O exemplo típico é o urinol de Duchamp (obra intitulada A fonte), que está na capa do livro Arte e desastre. O urinol de Duchamp provocou mais questões teóricas que toda a história artística do ocidente. É um mistério, e nós sabemos qual é a função do urinol. Não me parece que tenha nenhuma função estética.

É o que o senhor chama de mania de desconstrução. A universidade tem lá sua responsabilidade nisso, não tem?

AM - É a transgressão erigida em norma, em valor. Qualquer transgressão passa a ter valor pela sua capacidade de desconstruir toda criação valiosa. Ora, o que está por trás dessa desconstrução? Obviamente, trata-se de um tentativa séria de legitimar a erradicação do indivíduo do cenário estético e proclamar o coletivismo. Significa, do ponto de vista ético, a ausência de responsabilidade de cada artista particular. O que ele faz tem a sanção do coletivo logo é bom. 



Essa visão compromete a ética e a estética ao mesmo tempo. Isso é ensinado e doutrinado nas universidades. Você tem que entrar na cartilha, estudar tudo isso e fingir que está gostando. O ambiente da universidade é deletério, tornou-se assim. Deixou de ser aquilo que fez parte de sua fundação. Carlos Magno procurou sábios, gostava de se cercar deles. Ao passo que hoje a turma procura técnicos de ignorância, pessoas ignorantes de qualquer tipo de humanismo. 


A verdade é essa. Eu vivi lá e vi o lance. A lembrança que eu tenho é de três ou quatro professores valiosos, apenas. Maria do Carmo Tavares de Miranda, que criou o departamento de filosofia, Nelson Saldanha, Leônidas Câmara, Ariano Suassuna. São poucos. Dominantemente, o clima favorece mais a busca de cargos, de verbas.

O senhor sempre fala da figura do cachorro. Por quê?

AM - Você olha para certo tipo de cachorro e vê nele mais filosofia do que em muitos colegas da universidade. Alguns cachorros têm aquele olhar melancólico de Heráclito de Éfeso, da escola do devir. Outros são heideggerianos. Eu tenho uma certa afinidade com os cachorros, apesar de não ser daquele escola grega dos cínicos, que é uma palavra que vem de cão (kynikos é adjetivo de kynon, que significa “cão”). Por que é que eu passei a identificar cachorros com filósofos? Porque Platão, que era um gozador emérito, declara em A República que o cão é o verdadeiro filósofo. O cão sabe distinguir o dono do estranho que está chegando. Qual a função da filosofia senão a guarda do ser? O filósofo é o cão de guarda do ser. E não é por acaso que, em Curitiba, uma cachorra se apaixonou por mim. Quando me viu ficou doida.

O senhor afirma que mesmo os ateus marxistas deveriam frequentar uma missa. Por quê?

AM - Eu não tenho lembrança de nenhum cara de esquerda ético. A ética não existia em nenhuma relação humana marcada pelo marxismo. Ética é coisa da burguesia. Toda ética era burguesa. No convívio com esse pessoal, eu não via nenhuma preocupação ética. 



Agora imagine o que acontece num regime totalitário de esquerda. Ninguém é responsável por nada. Você pode matar à vontade à serviço da revolução. Tanto que eles são vampiros. Pegam uma figura como Nietzsche e vampirizam a serviço da causa. Não tem figura mais antimarxista que Nietzsche. Aliás, uma figura que é colocada como mestre da suspeita. Tudo é suspeita. Como é que você pode ter uma visão crítica se você não passa pelo estágio mítico? Isso é ideologia pura. O cara já sai vacinado contra tudo.


 Nunca esqueci de um espanhol que disse que a missa é uma tourada. Como? Tem ofertório, consagração e comunhão (risos). Ele queria dizer que a tourada é um espetáculo estético. Mas a missa é um espetáculo obviamente muito mais refinado que uma tourada. Você tem toda a encenação. É um auto. Então, se o cara não aprender a ter fé, ele aprende pelo menos a gostar de estética. O ateísmo é um péssimo conselheiro em arte. Por exemplo, 90% do que Pablo Neruda escreveu não vale nada, porque ele leu Marx.


 Nós somos um país jovem, mas já demos padre José Maurício (Nunes Garcia), Villa-Lobos, Jorge de Lima, Drummond, Gilberto Freyre. Eis o problema. O meu medo é que a classe média brasileira domine o mundo, porque ela vai acabar com a cultura universal. Uma classe média que paga para ver Roberto Carlos vestido de marinheiro dentro de um navio é uma classe média que não tem nada na cabeça. Isso é brincadeira para menino de 8 anos. A classe média brasileira é isso. Nela, não há lugar para a arte.

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