quarta-feira, 20 de março de 2013

Cristianismo e pobreza

O problema é a riqueza da fé, não só a da carteira
ALDO VITALE

       Alguns sofrem porque a Igreja adequou-se demais aos parâmetros do mundo de hoje; outros ficam incomodados porque a Igreja ainda continua muito alheia ao mundo: assim escreve Papa Bento XVI num trabalho célebre sobre a Igreja. 

     O teólogo Ratzinger coloca em evidência, com sua habitual acuidade e a velada ironia de sempre, o paradoxo da contestação à Igreja que se dissolve na citada contradição 

     Analogamente,  o mesmo se dá com a questão relativa à mensagem cristã e a pobreza. De um lado,  reina soberana a bem-aventurança dos pobres proclamada por Cristo; do outro lado, vigora imperioso o mandamento moral de socorrer os pobres que representam o próprio Cristo. O que fazer, então?

     Se os pobres são bem-aventurados,  como subtrair deles a causa de sua própria bem-aventurança, ou seja, a pobreza, prestando-lhes o socorro de que necessitam?

     O paradoxo etico-teológico não é trivial. Não obstante,  existem duas  chaves hermenêuticas que podem ajudar, se bem que com a adoção de uma o problema resultará substancialmente insolúvel, enquanto que com a adoção da segunda se poderá chegar a um solução concreta.

     Compreender a pobreza, como acontece hoje cada vez mais, exclusivamente como a falta dos meios de subsistência vital que fazem o individuo precipitar na total indigência sócio-econômica, significa não compreender de fato a pobreza, exprimindo-a segundo uma concepção econômica, quantitativa, material que, por mais que seja seja real e atraente, não consegue todavia  dar conta da totalidade da questão.

     A santidade que, através de sua crística bem-aventurança é referida aos pobres, não é de fato o resultado de um balancete, de um puro cálculo contábil de entrada e saída, de ter e haver,  de assuntos de caixa ou de exercício, mas é algo bem mais profundo, mais autêntico e, talvez por isto mesmo, mais dificilmente compreensível. É seguramente mais humano, e decisivamente mais divino, do que uma mera operação de raciocínio calculista.

     Se assim não fosse, as Escrituras (Velho e Novo testamento), os Padres da Igreja, os Doutores da Igreja, os Santos, o Catecismo e os documentos do Magistério católico de cada época não falariam de confissão, de perdão dos pecados, de misericórdia, de caridade, mas sim de prestação de contas e declaração de renda, anistia fiscal, quitação pecuniárias e abertura de contas pessoais.

     Não será santo quem tiver mostrado menos, mas quem tiver mostrado mais. Obviamente, não em termos monetários. Cristo não é um CEO, il capo azienda, e o Juízo Final não será  o advento  de uma agência cósmica de acerto de contas.

     Se a pobreza evangélica fosse entendida materialisticamente, para sermos bons cristãos seria necessário antes fazer um levantamento global de todos os rendimentos pessoais; depois, todos aqueles que tivessem a mais deveriam dar, não para aqueles que têm menos, mas àqueles que não tem nada, já que, à luz desta lógica perversa, mesmo quem tem pouco teria, de todo modo, mais do que aquele  que não tem nada.

     Mas, logo isto feito, os antigos pobres seriam os novos ricos, e os antigos ricos seriam os novos pobres, o que tornaria necessário executar a mesma  operação, só que em sentido inverso.

     Fica claro a completa ingenuidade de tal mecanismo. Quem pensa a pobreza evangélica em sentido estritamente material deveria se dar conta de tamanho absurdo.

     Logo, é preciso adotar uma perspectiva diversa e oposta.

     A pobreza evangélica deve ser compreendida por aquilo que ela é efetivamente, de resto, como o próprio publicano, coletor de impostos por oficio - ou seja, técnico em dinheiro e noção de contabilidade, São Mateus, se refere no seu Evangelho, ou seja, a pobreza de espírito: "Bem-aventurados os pobres de espírito". 

     É preciso admitir, contudo, que a pobreza de espírito pode ser entendida em dois sentidos opostos,  se bem que com um centro comum de atração, isto é, como distância de Cristo e proximidade a Cristo.

     No primeiro caso, o pobre de espírito é aquele que ainda não encontrou ou experimentou a mensagem do Evangelho, a riqueza da graça, para usar as palavras de São Paulo aos Efésios.  No segundo caso, ao contrário, o pobre é aquele que é despido de toda vaidade e toda soberba, entregando-se completamente ao Cristo dos Evangelhos.

     A exatidão desta interpretação, de resto, é confirmada por Santo Agostinho que, em seu discurso n. 36, esclarece que não é a riqueza em si a impedir a própria salvação, mas a doença que pode resultar da riqueza, isto, o aumento da soberba.

     A riqueza e a pobreza, portanto, referem-se não às  condições materiais, mas àquelas espirituais, ou seja, em palavras claras, à fé. Por isto, rico é quem tiver fé, pobre quem não tiver fé.

     De fato, Santo Agostinho recorda que a mensagem de  salvação do cristianismo não é voltado só aos pobres, mas também aos ricos, testemunhando de modo direto e inequívoco que a pobreza e a riqueza de que se fala nos textos sagrados não são aquelas  materiais.

     Assim escreve Santo Agostinho: "E de se pensar que os ricos deste mundo têm sido negligenciados. Também eles, Cristo os conquistou com Sua pobreza. Ele, que sendo rico, se fez pobre por nós. Se, de fato, Cristo os tivesse negligenciado e recusado admiti-los entre os Seus, o Apóstolo não teria ordenado a Timóteo que lhes ensinasse os preceitos, dizendo: " Ordena aos ricos deste mundo. Entre estes, aqueles que são ricos na fé não são mais que uma parte dos  assim chamados ricos deste mundo" (Sermão 36,5)

     Isto não exclui, obviamente, que o rico em sentido material deva  e possa cuidar do pobre em sentido material. Santo Agostinho explica, interpretando os ensinamentos de Cristo e as palavras de Paulo, que os bens materiais não devem ser jogados fora, mas transferidos de lugar.

     Segundo o Bispo de Hipona, de uma coisa a riqueza deve deve tirar proveito: a de não ter dificuldade em doar com abundância. O pobre quer mais não pode, o rico quer e pode. Que os ricos repartam sem dificuldades, sejam generosos, que acumulem um tesouro para si mesmos, com um firme fundamento e assim alcançarão a verdadeira vida."

     Em última análise, os ricos são ricos mas somente em sentido mais alto, isto é - citando sempre Santo Agostinho - "ricos no coração, cheios de força moral, nutridos na piedade e generosos na caridade"

     A pobreza e a riqueza dos Evangelhos tem uma outra natureza diferente da que resulta de sua  difusa leitura reducionista e pobre, que  por sua vez,  torna miserável, a um só tempo, tanto a mensagem evangélica quanto aqueles que a pregam de forma errada.

     Numa época em que mesmo a clareza do óbvio se torna remota e obscura,  é preciso enfatizar neste caso que a expressão 'economia da salvação' não deve ser tomada infantilmente ao pé da letra, mas compreendida à luz de seu espírito, isto é, em seu sentido etimológico, em seu horizonte escatológico.

      Também neste caso, parece indispensável ter presente o que ensinou São Paulo, que, em uma das suas  mais célebres passagens, lembra que a letra mata, mas que, ao contrário, é o espírito que dá vida (2Cor. 3,6)


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2 comentários:

  1. Uma muito interessante reflexão, a desfazer tanta compreensão materialista da mensagem espiritual dos Evangelhos. Afinal - exprimindo-me com ironia - a Igreja dos pobres acabaria no dia em que acabassem os pobres.

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  2. Texto muito bom. Parabéns pela tradução, Mírian.

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