segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Babel na visão marxista da Teologia da Libertação I


BABEL E ABRAÃO DOIS PROJETOS ANTAGÔNICOS.
Gênesis 11,1-9 E 12,1-9 

Autor: Pe. Cláudio Dalbon (ligado à Teologia da Libertação)


1 – Introdução
Os dois textos apresentam, até na forma literária, dois paradigmas de sociedades antagônicas, como grandezas equivalentes e opostas em sua dinamicidade. Com Babel estamos na última etapa do mundo mítico das origens e tudo é descrito em forma impessoal e globalizada, com o simbolismo da ideologia da língua e da cultura única e envolvente no empreendimento da construção da cidade e da torre.

Com Abraão entramos no terreno da história do povo: os personagens têm nomes concretos e significativos e sua experiência é geograficamente bem definida e situada numa caminhada que tem um significado teológico importante na revelação bíblica.

O projeto de Babel é realizado pelos “filhos da humanidade” que usam a mesma linguagem, querem chegar até Deus para perpetuar o seu próprio nome, constroem a cidade e a torre realizando a engenharia de seu próprio orgulho.

Com Abraão é Javé que entra na história da humanidade, não para confundir, mas para chamar a sair da cidade e voltar à terra. O projeto de Javé se manifesta no chamado de Abraão a sair da cidade e ir em busca novamente da terra: “é à tua descendência que darei esta terra”. Terra da bênção, para construir um povo e receber o engrandecimento do nome da parte de Deus.

2 – Tradução dos textos do original hebraico
Gênesis 11,1-9: Toda terra (’erets) era uma única língua e palavras únicas. Vindo do Oriente em seu peregrinar, encontraram uma planície na terra (’erets) de Sinear (na região de Babilônia), onde se estabeleceram. E disseram cada um ao companheiro: “Vem! Fabriquemos tijolos e vamos cozê-los ao fogo”. E ficaram com tijolo em vez de pedra e betume (piche) em vez de argamassa. Em seguida disseram: “Vamos edificar para nós uma cidade e uma torre, cuja cabeça penetre nos céus. E façamos para nós um nome para que não sejamos dispersos sobre a face de toda a terra (’erets).”

E Javé desceu para ver a cidade e a torre que os filhos dos humanos (da humanidade) tinham edificado. E Javé disse: “Veja! Um único povo e uma única língua para todos eles. E este é o início do seu empreendimento e agora não será impossível para eles que tudo o que planejam possa ser realizado. Vamos, desçamos e confundamos (misturemos) sua linguagem a fim de que um homem não compreenda a língua do seu vizinho”. Assim Javé os dispersou daquele lugar sobre a face de toda a terra (’erets). Eles pararam de edificar a cidade. Este lugar foi chamado de Babel, porque aí Javé confundiu a linguagem de toda terra (’erets), e os dispersou daquele lugar sobre a face de toda a terra (’erets).

Gênesis 12,1-9: “Javé disse a Abraão: “Quanto a ti, sai da tua terra (’erets) e da tua família e da casa de teu pai para a terra (’erets) que eu te mostrarei. E farei de ti um povo grande e te abençoarei e engrandecerei teu nome e serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem e em ti serão abençoados todos os clãs da terra (’adamah).

E Abraão saiu como lhe tinha falado Javé e saiu com ele Ló, e Abraão tinha 75 anos quando saiu de Harã. E Abraão tomou sua mulher Sarai e Ló, filho do seu irmão, e todos os seus bens que tinham adquirido e a gente que tinham adquirido em Harã e saíram rumo à terra (’erets) de Canaã e chegaram à terra (’erets) de Canaã. Abraão viajou na terra (’erets) até o lugar santo de Siquem, até o Carvalho de Moré. Naquele tempo os cananeus habitavam a terra (’erets).

Apareceu Javé a Abraão e disse: “À tua descendência darei esta terra (’erets)”. E Abrãao edificou um altar a Javé que lhe tinha aparecido. E daí continuou até o monte a oriente de Betel e armou a sua tenda tendo Betel a oeste e Hai a leste. E edificou aí um altar a Javé e invocou o nome de Javé. E partiu Abraão para ir e seguir até o Negueb.

3 – Elementos de crítica textual e de composição literária
3.1 “‘erets ‘terra’ é o quarto substantivo mais usado no AT, aparecendo 2.504 vezes no hebraico e 22 vezes no aramaico” (veja o Dicionário Internacional de Teologia do AT, editado por R. Laird Harris, Gleason L. Archer e Bruce K. Waltke, Edições Vida Nova, São Paulo, 1988, nas p. 124/125).

Confrontando os dois textos percebemos que o substantivo ‘erets ocorre 6 vezes no texto de Babel e 7 vezes no texto de Abraão, com estas diferenças: em Gn 11,1-9 temos uma única vez o substantivo ’erets sem o adjetivo de totalidade (toda a terra), exatamente no v. 2 quando se designa o lugar geográfico em que foi construída a cidade e a torre: na planície de Sinear, “termo usado para designar o sul da Mesopotâmia, a planície de aluvião entre os rios Eufrates e Tigre... Posteriormente passou a ser chamada Babilônia” (Dicionário, p. 1595).

Nas outras 5 vezes o termo ‘erets é precedido pela especificação da totalidade – toda a terra, o mundo todo. Em Gn 12,1-9 temos 7 vezes o uso do termo ’erets e uma vez o termo ’adamah, ou seja, terra cultivada. Abraão é convidado a sair de sua terra, para uma outra terra indicada por Javé como sendo a terra de Canaã, pois naqueles tempos os cananeus habitavam esta terra. “Esta terra”, conclui Javé, “darei à tua descendência.”

3.2 Os dois quadros bíblicos acima colocados são ligados entre si pela genealogia de Sem até Abraão, passando por Arfaxad, Salé, Heber, Reu, Sarug, Nacor e Taré, pai de Abraão, de Nacor e de Arã em Ur dos caldeus. Com a morte de Arã em Ur, Taré tomou Abraão e Sarai, mulher de Abraão, com o neto Ló, filho do falecido Arã e os fez sair de Ur dos caldeus em direção à terra de Canaã. Chegando em Harã se estabeleceram nesta cidade onde Taré morreu. A partir deste momento da morte do pai, Javé entra na vida de Abraão, para o conduzir no caminho da aliança com a promessa de descendência e de terra.

A genealogia de Sem em Gn 11,10-32 retoma e desenvolve a genealogia de Noé em Gn 10,1-32. Neste ponto temos a impressão de que o quadro de Babel é um parêntese inserido posteriormente no bloco literário das origens, cuja finalidade, além de encerrar os mitos originais, é de servir de contraste com a maneira de Javé entrar na história da humanidade e realizar o projeto da salvação: com os impérios globalizantes, Javé age confundindo, a salvação está na confusão; com Abraão a salvação está na vocação.

3.3 A universalidade geográfica do quadro de Babel nos faz lembrar das grandezas dos impérios. A expressão “toda a terra” recorre 5 vezes. O sujeito da torre de Babel quase não aparece no texto: os verbos estão acéfalos, somente no v. 5 se diz que estes que edificaram a cidade e a torre são “os filhos de Adão” – os humanos. Quem os identifica é o próprio Javé que desce para ver o que está acontecendo.

Os diálogos são apresentados como ordens indiscutíveis de uma programação fixa e peremptória.(Vem – fabriquemos – vamos edificar – façamos para nós...). Estas ordens são apresentadas num dinamismo desenvolvimentista e num crescendo de intensidade ideológica.

A primeira ação é a adoção de uma nova tecnologia de fabricação: tijolos no lugar de pedras e betume/piche no lugar de argamassa.

O segundo empreendimento é a construção de uma cidade e uma torre cujo topo penetre os céus.

Em terceiro lugar a finalidade de toda esta obra e nova tecnologia é “engrandecer o próprio nome”. Construir um nome para não ser dispersos sobre a face de toda a terra. A união que impede o dispersar-se é finalizada ao engrandecimento do nome.

A finalidade de construir cidade e torre e engrandecer o nome é para não permitir que o império construído por esses empreendimentos quebre, se despedace e o pessoal se disperse: é preciso construir e manter a globalização.

3.4 Enquanto os homens querem conquistar o céu, construindo um império com cidade e torre e manter-se unidos nesta globalização, a partir de Gn 11,5 se descreve a ação de Javé que desce do céu à terra e examina a ação/construção/império dos humanos. Javé reconhece a força aglutinadora da ideologia imperial. Teme que este início leve os homens a realizar tudo o que planejam na linha da globalização e intervém confundindo a linguagem e dispersando.

O verbo explicativo de todo o quadro usado pelo autor do texto é o termo hebraico balal (misturar, confundir, ou dar provisão, providenciar). Por causa desta ação divina, que interrompe a globalização do império, o lugar da cidade e da torre que os humanos deixaram de terminar foi chamado Babel.

A intervenção de Javé é descrita como ação de confundir a globalização, confundir exatamente para providenciar uma nova experiência humana. Babel é geograficamente ligada à planície de Sinear.

Sinear ocorre várias vezes no AT.

“Em Gn 10,10 se diz que Ninrode, o grande tirano e fundador de império, deu início a seu reino em Babel, Ereque, Acade e Calné na terra de Sinear. A partir daí foi avançando para o norte, na direção da Assíria. Foi ali em Sinear que também a humanidade rebelde construiu a bem-conhecida torre de Babel, num direto desafio a Deus (Gn 11,2). Em Dn 1,2 vemos que Nabucodonosor leva os utensílios do templo de Deus para a terra de Sinear, e em Is. 11,11 se conta que Sinear é uma das terras de onde o Israel reajuntado voltará, na época do estabelecimento da era milenar.

Em Zc 5,11 a mulher no alqueire (no efa), representando o acúmulo do mal (v. 8), é retirada para a terra de Sinear, onde é erigido um templo para ela. Tudo isto aponta para um significado sinistro de Sinear, mostrando que esta região onde foi construída a cidade e a torre de Babel é o principal centro de desenvolvimento de uma cultura e de uma civilização alicerçadas sobre uma religião falsa, rebelde, contra o Deus verdadeiro e a sua palavra revelada, é o berço da tirania imperial; são inimigos do povo, em suma, são o símbolo da impiedade” (Dicionário, p. 1595).

Abraão em Gn 14 é chamado a guerrear contra os reis assaltantes, para libertar o primo Ló que tinha sido seqüestrado, juntamente com o rei de Sodoma: entre os reis seqüestradores é nomeado Anrafel, rei de Sinear (Gn 14,1.9).

Desta forma na Bíblia a crítica ao império babilônico como símbolo de todo império globalizante, fica bastante evidente e significativa. A crítica é encabeçada pelo próprio Javé com a torre de Babel logo antes do início da história da salvação com Abraão. Os povos são chamados a se desenvolverem na dispersão, depois da aliança com Noé (Gn 10,18.32); e no caso de Abraão a migração da cidade para a terra prometida constitui a vocação especial do patriarca do povo da parte de Javé.

3.5 Insistindo na seqüência literária da genealogia de Noé, entre Gn 10,32 (“estes foram os clãs dos descendentes de Noé, segundo suas linhagens e segundo suas nações. Foi a partir deles que os povos se dispersaram sobre a terra depois do dilúvio” – Portanto, há dispersão tanto após o dilúvio, como depois de Babel) e Gn 11,10 insere-se o episódio da torre de Babel, confusão das línguas e dispersão. Em Gn 11,10 se retoma a genealogia de Noé com a descendência de Sem, para chegar até Abraão em Harã. Podemos concluir que o projeto de Babel é um projeto mítico. É impessoal. É baseado na língua única e em palavras únicas, enfatizando a unicidade da ideologia assegurada pelo único instrumento de comunicação.

É preciso que Javé intervenha, descendo profeticamente e confundindo essa linguagem mítica da globalização imperial. A intervenção de Javé que desce e confunde o mito de Babel se realiza historicamente no chamado de Abraão a migrar para carregar a bênção divina e tornar possível uma nova experiência de humanidade e formar o verdadeiro povo de Deus. Nesta trajetória da busca da terra com mulher estéril, sobrinhos órfãos agregados ao clã, os poucos pertences, o grupo de Abraão passa pelo deserto da resistência, pela alternativa de caminhos e de projetos que não são controlados pelo sistema globalizante.

4 – A vocação de Abraão
Gn 12,1-9 é chave de leitura fundamental do javista. O javista apresenta nela, com convicção, a proposta do tribalismo de Israel.

4.1 Javé chama Abraão a sair, a realizar o êxodo, a deixar sua família, em busca de outra terra. Os construtores de Babel queriam engrandecer seu próprio nome. Javé vai tornar famoso o nome de Abraão fazendo com que ele mesmo se torne uma bênção para o povo. Em Abraão serão abençoadas todas as famílias, ou melhor, todas as mishpahot ‘adamah, todas as “associações protetoras” dos clãs agrários.

A bênção de Abraão tem endereço certo: a mishpaha como organização solidária dos clãs transforma os mesmos numa rede de participação social e comunitária, em forma alternativa com respeito às cidades.

4.2 Gn 12,4-9 descreve a trajetória do clã patriarcal desde Harã até Canaã. Na terra dos cananeus Abraão visita os lugares sagrados dos santuários do tribalismo israelita: Siquém, onde Josué vai realizar a assembléia constituinte do povo de Deus (Js 24), a montanha de Betel, onde Jacó fez o sonho e foi abençoado por Deus que mudou seu nome para Israel (Gn 28,10-22; 35,1-15). Por fim, no lugar de construir uma torre, construiu um altar e invocou o nome de Javé; no lugar de construir uma cidade, migrou de acampamento em acampamento, vivendo como migrante até o Negueb: Abraão é conhecido como o patriarca do sul que vive como vivem os nômades do deserto.

Nesta trajetória da cidade para a montanha até o deserto, o patriarca Abraão vive sua vocação e missão: este peregrinar é orientado pelo Espírito e pelo projeto do êxodo, em oposição ao projeto dos filhos da humanidade que constroem Babel.

4.3 Vamos nos deter um pouco sobre a busca da terra como proposta de Deus a Abraão. O solene juramento de Javé, depois que ordenou ao patriarca sair de sua família e da cidade de Harã, ao chegar à terra de Canaã, é assim expresso em Gn 12,7: “darei esta terra à tua descendência”. Pode-se supor que Abraão ainda não estava preparado pessoalmente para possuir a terra das mãos de Deus. Ele podia organizar um projeto alternativo de poder para competir com os cananeus. O projeto idealizado por Javé é um projeto antagônico ao projeto de Babel, e não competitivo com o mesmo.

Por isso Deus entregará a terra aos descendentes de Abraão quando estes souberem viver numa sociedade alternativa e antagônica à sociedade dos cananeus, numa sociedade tribal, justa e igualitária, contra toda exclusão, depois que, vivendo a aliança, Abrão (= pai alto) tiver se tornado Abraão (= pai dos povos, Gn 17,4-8) e depois que Sarai (= minha princesa) tiver se tornado Sara (= simplesmente princesa, Gn 17,15-22), sem ser propriedade do homem, capaz então de gerar o filho da promessa.

O projeto de Deus não é um simples projeto alternativo que entra em competição com o projeto de Babel. A confusão de Babel provocada por Deus não é uma arma para derrubar o adversário. A confusão divina em Babel tem a finalidade de interromper a construção da cidade e da torre a fim de que outro projeto alternativo e antagônico seja possível. Deus confunde para providenciar a realização de um outro projeto com a vocação de Abraão.

Em Dt. 8, um poema que canta a beleza da terra prometida, encontramos a intencionalidade de Deus em dar essa terra onde corre leite e mel aos descendentes de Abraão. Javé doa a terra depois de conhecer as intenções deste povo através das provas do deserto. É preciso passar pela prova da fome e do maná para saber que o homem não vive somente de pão, mas de tudo aquilo que sai da boca de Javé. O deserto é indispensável para vencer a tentação de Babel na busca da terra prometida:

“não aconteça que seu coração fique cheio de orgulho, e você se esqueça de Javé seu Deus, que o tirou do Egito, da casa da escravidão... Não vá pensar portanto: Foi a minha força e o poder de minhas mãos que me conquistaram essas riquezas. Lembre-se de Javé seu Deus, pois é Ele quem... lhe dá força para se enriquecer, mantendo a aliança que jurou a seus antepassados, como hoje se vê. Todavia se você esquecer completamente Javé, seu Deus, vocês morrerão” (Dt 8,17-19).

A memória antagônica a Babel, nestes versículos, é mais do que clara. O projeto de Babel é um projeto globalizado que leva para a morte. Deus desce e confunde para inserir na história humana um projeto de salvação e de vida encabeçado por Abraão, que tem como realização da aliança a entrega da terra: nesta terra da promessa é possível se enriquecer mantendo a aliança com Javé. Mas este projeto é alternativo e antagônico a Babel.

4.4 Citamos do livro A narrativa do céu (Edições Paulinas, v. 1) de Gianfranco Ravasi, nas p. 28-29, quando fala de “geografia mística”:

“Detenhamos este eco que continua nas páginas bíblicas, e que gira em torno de uma palavra hebraica muito cara à Bíblia, ’erets, terra, ou seja, a terra por definição. Trata-se de uma modesta região de cerca de 25.000 km2, pouco menor que a Sicília, dividida em três zonas de norte a sul: a fértil Galiléia, a árida Samaria, a montanhosa e desértica Judéia...

Essa diminuta faixa de terra é prenhe de infinitos significados e valores simbólicos. É o objeto da promessa divina feita a Abraão, Isaac e Jacó, promessa realizada com o Êxodo do Egito. É, portanto, dom, compromisso, sinal, razão pela qual a topografia bíblica ultrapassa os limites em poesia, a física em ideal, como aparece no confronto de um território árido e inóspito, como é a Palestina, com este ‘hino da terra prometida’, da ’erets apresentada no livro do Deuteronômio: ’erets fértil, ’erets cheia de ribeirões de água e de fontes profundas que jorram no vale e na montanha; ’erets de trigo e cevada, de vinhas, figueiras e romãzeiras; ’erets de oliveiras, de azeite e de mel; ’erets onde você comerá pão sem escassez, pois nela nada lhe faltará; ’erets cujas pedras são de ferro e de cujas montanhas você extrairá o cobre “(Dt 8,7-9). O versículo seguinte conclui-se introduzindo, pela sétima vez, o termo ‘erets: ‘Quando você comer e ficar satisfeito, bendiga a Javé seu Deus pela boa ‘erets que lhe deu’ (Dt 8,10). Um setenário elogioso que transfigura aquele território que geograficamente, a partir dos romanos, será justamente chamado Palestina, isto é, Filistéia, por causa do nome de uma população de origem européia (talvez helênico-cretense) que dará muito trabalho a Israel.

A ’erets representa, portanto, um símbolo; tanto é verdade que Jeremias a interpelará como se fosse uma pessoa: ‘’erets, ’erets, ’erets! Escute a palavra do Senhor!’ (Jr 22,29). E lentamente ela se transformará em imagem da terra perfeita, recriada por Deus para os justos: ‘Quem é abençoado por Deus possuirá a ’erets... Os justos possuirão a ’erets e a habitarão para sempre’ (Sl 37,22.29). Palavras que Jesus retomará em seu Sermão da Montanha: ‘Bem-aventurados os mansos (os despossuídos), porque herdarão a terra!’ (Mt 5,5). Uma terra na qual a justiça triunfará, uma terra ‘cumulada pela sabedoria do Senhor, como as águas recobrem a extensão do mar’ (Is 11,9).

O contraste entre o território árido e inóspito como é em grande parte a Palestina, e a terra de Deus fértil e espaçosa, cheia de ribeirões e de fontes... terra onde corre leite e mel, este contraste é para evidenciar a mudança de projeto que Javé exige numa participação alternativa do povo de Deus que vive a aliança em forma antagônica a Babel.

Insistimos neste aspecto porque o antagonismo do projeto alternativo de Deus com respeito a Babel exige saída, migração, deserto (mudança de coração) para usar a terra como dom de Deus, em forma oposta ao uso que o império faz dela.

Os 40 anos de deserto, a própria sorte de Moisés que, após ter liderado a caminhada da libertação pelo deserto, foi impedido de entrar nela, pelo desgaste da liderança, sendo assim enterrado no monte Nebo... Tudo isto explica que o surgimento da sociedade alternativa querida por Deus é uma empresa de tempos longos, é um treinamento constante de lideranças alternativas, um fermentar contínuo do coração com a semente e a memória do projeto de Deus, sem deixar-nos distrair pelas ideologias globalizantes.

Nós que sonhamos esta utopia de Deus na história teremos que aceitar a sorte de Moisés de ver a terra prometida sem entrar nela, mas sentindo no coração que esta é a terra de Deus, o sonho de Deus para a humanidade, e renovando continuamente a esperança para que o povo continue a caminhada na certeza de poder partilhar a vida, a terra, os bens na dignidade e na paz, sem excluir ninguém.

Como profetas temos que manter viva esta utopia e despertar lideranças abraâmicas na massa dos excluídos, especialmente neste tempo de globalização e de fim da história. 

Babel na visão marxista da Teologia da Libertação II


5 – A Babel do sistema neoliberal globalizado
“Nas assembléias legislativas, nos governos, no mundo acadêmico, na mídia do mundo inteiro, inclusive nos púlpitos das Igrejas, não somente nas Igrejas protestantes dos Estados Unidos, em todas as partes se impõe ‘la pensée unique’/o pensamento único. Quem não se submete ao pensamento único fica excluído de todos os lugares importantes na sociedade. Já não pode falar ou, se falar, não será ouvido.” 

Esta constatação de José Comblin está no seu último livro sobre O neoliberalismo – Ideologia dominante na virada do século (Coleção Teologia e Libertação – Série VI – da Editora Vozes). O livro apresenta muito bem como a linguagem única e as palavras únicas da Babel moderna, ameaçam o futuro da humanidade. Seguindo as argumentações de Comblin, vamos dar uma panorâmica rápida da Babel neoliberal como conclusão hermenêutica de nossa reflexão sobre Babel. 

Os paladinos da ideologia neoliberal são cínicos em suas afirmações: 

“Os adversários do neoliberalismo são imorais! A economia liberal é por natureza global. Constitui o que é mais acabado na aventura humana. Deveríamos ser orgulhosos dela, individual e coletivamente, por termos contribuído a construí-la pelo nosso trabalho e pelos nossos votos” (Neoliberalismo, p. 11). 

Frases como estas foram proclamadas em junho de 1997. Poucas semanas depois deste hino, estourou a crise no Sudeste Asiático, caíram as economias na Coréia do Sul, na Malásia, na Tailândia, na Indonésia e milhões de trabalhadores foram jogados na rua, perderam o seu emprego e o seu dinheiro por terem acreditado nas promessas dos ideólogos neoliberais. Apesar dessas convulsões nas bolsas de valores que se repetem em várias partes do mundo, o neoliberalismo ainda não perdeu o seu prestígio intelectual. 

“Quando aumenta o desemprego em algum lugar do mundo, sobe a Bolsa de Valores. Os ricos aumentam a sua riqueza quando cresce a miséria das massas. O neoliberalismo justifica tudo” (Neoliberalismo, p. 13). 

O mundo mudou muito em 20 anos. Uma nova classe construiu para si um paraíso, uma Babel planetária, uma torre de riqueza cuja cabeça penetra os céus para o engrandecimento do próprio nome sobre a face de toda a terra. 

Quando Javé vai descer para confundir esta Babel, este monstro do mercado total que seqüestra a riqueza, imobiliza a produção, exclui a massa dos trabalhadores como inúteis, para meia dúzia de magnatas competirem no video game das Bolsas de Valores? 

Seja no início da história bíblica (Gn 12,1) como no fim da mesma (Ap 18,4) Deus chama a sair, a viver em ritmo de êxodo, a não se deixar transformar em estátuas de sal pela propaganda da ideologia neoliberal, e sim a viver a vocação de Abraão. 

Talvez hoje, nesta passagem do milênio, pela sensibilidade apocalíptica que respiramos no kairós jubilar, sintamos com mais força e em forma mais adequada a voz divina do Apocalipse que assim proclama: 

“Saia dela, meu povo, pois Babilônia, a Grande, caiu e tornou-se morada de demônios, abrigo de todos os espíritos maus, abrigo de aves impuras e nojentas. Saia dela meu povo. Não seja cúmplice dos pecados dela, nem atingido por suas pragas” (Ap 18,2-4). 

Saia de Babel, meu povo. Tome o caminho de Abraão, vá para a terra que eu lhe indicar, pois esta terra darei à tua descendência esqueça o programa neoliberal, as privatizações, a volatilização do capital financeiro, o jogo sujo para aumentar os capitais e gerar riqueza virtual, uma riqueza de papel que na realidade sacrifica bilhões de seres humanos. 

Saia dessa Babel, meu povo, pois nela a família fica desestruturada e desintegra-se numa coleção de consumidores, transformando-se numa justaposição de indivíduos que já não sabem comunicar (Neoliberalismo, p. 22). 

Saia de Babel, meu povo, pois a ideologia da globalização insinua-se no subconsciente. 

“Cada gesto, cada ato, cada palavra, cada sentimento, cada expressão, cada desejo vai adquirindo feições especiais, as feições da civilização dos Estados Unidos. As novas gerações bebem a ideologia neoliberal na sua Coca-Cola, no novo leite materno dado pela nova Mãe Universal” ( Neoliberalismo, p. 37). 

6 – A catedral (torre) da Babel neoliberal
O sistema neoliberal se apresenta também como uma grande catedral. 

“As empresas tratarão de comprar a colaboração das Igrejas, oferecendo-lhes um status interessante na sociedade... E as Igrejas estão ansiosas por recuperar visibilidade social, mesmo que se lhes imponha a missão de servir às grandes empresas... As Igrejas seriam máquinas de disciplinar os pensamentos e os desejos das pessoas. Fariam com os seres humanos o que a indústria faz com a matéria” (Neoliberalismo, p. 79-80). 

A sociedade neoliberal não deixa espaço para uma religião e teologia da libertação tipo Medellín e Puebla. Só cria espaço para os fundamentalismos. Por isso os povos latino-americanos buscam a salvação nas igrejas pentecostais. Estas oferecem uma religião “forte”, uma experiência de salvação – Jesus me salvou! –, um rigor moral implacável capaz de superar vícios. 

Na igreja católica aparecem movimentos semelhantes que também são exemplos de religião forte: expieriência religiosa forte, afirmação radical dos dogmas, defesa apaixonada dos preceitos morais, e tudo orquestrado por sociedades fortes e rigorosas como: Opus Dei, Legionários de Cristo e assim por diante (Neoliberalismo, p. 98). 

Nesta imensa catedral do sistema neoliberal, os meios de comunicação fazem, sem cessar, a propaganda da ideologia e do sistema. Neles o pensamento crítico é ignorado ou ridicularizado. Todos os noticiários anunciam vitórias, escondem derrotas, justificam desastres econômicos como pequenas falhas do sistema que estão sendo corrigidas, e tudo isto numa segurança arrogante típica do pensamento único. 

Por outro lado as empresas culturais de hoje, responsáveis pelo pensamento único, produzem o que mais se vende. O quantitativo substitui o qualitativo. Daí a degradação da cultura popular. 

“Grande parte da produção cultural é publicidade. Basta ver a TV, ouvir o Rádio, abrir jornais, revistas. Tudo está cheio de publicidade. Até as cidades transformam-se em painéis de publicidade... Cultura é publicidade! E os estímulos mais fortes da publicidade são dois: o sexo e a violência. Absurdo moralmente, mas não absurdo economicamente: a pornografia rende mais do que as universidades” (Neoliberalismo, p. 134). 

E quando a mídia se interessa pela religião é porque há sinais de dinheiro e para uma religião triunfar no sistema neoliberal precisa de muito dinheiro. Mas o sacerdote fica prisioneiro da imagem que a mídia transmite. Assim a religião entra na cultura do dinheiro. 

No Brasil quem começou foi a Igreja Universal do Reino de Deus. Existe o perigo de que agora todas as igrejas queiram adotar o modelo da Igreja Universal. 

“Este tipo de religião é degradante, infantiliza o povo e comete um verdadeiro roubo porque mente para extrair dinheiro” (Neoliberalismo, p. 138). 

Existe o perigo de transformar a evangelização em publicidade, para conquistar os indivíduos no mercado religioso. 

“A crítica é: precisa-se romper claramente com os métodos da Igreja Universal. Pois quem se deixa envolver neste círculo, não consegue mais escapar dele... O pior é que, em tal sistema, o povo estará feliz porque encontrará o que busca. Os agentes religiosos, felizes porque ganham prestígio social e muito dinheiro. Somente Deus terá motivo de queixa porque terão feito do seu evangelho um meio para enganar o povo” (Neoliberalismo, p. 139). 

Saia dela, meu povo! Não seja cúm,plice dos pecados dela, nem atingido por suas pragas. 

7 – A teologia do êxito num mundo desigual
No nosso sistema de hoje não existem somente sacerdotes que o sacralizam, mas também profetas que o denunciam. A propósito disso fazemos questão de citar resumindo um texto da biblista latino-americana Elsa Tamez, publicado em RIBLA, n. 30 (“Economia e vida plena”), p. 28-30: 

“Uma das caraterísticas mais marcantes do nosso mundo atual é a competitividade exacerbada em todos os níveis, uma competitividade promovida sem cessar pelos Meios de Comunicação que chegam a todas as partes do mundo pelo fenômeno da globalização. Todos e todas estamos sendo convocados a ser ganhadores e não perdedores... Mil conselhos sobre como ter êxito e prosperar economicamente. Esta ideologia do êxito torna possível que agora tenhamos os mesmos desejos, sonhos e modelos de vida. Esta ideologia do êxito tem também a sua teologia de suporte chamada evangelho da prosperidade, ou também confissão positiva: Nós cristãos somos filhos do Rei e portanto devemos viver luxuosamente como Reis. Cristo traz prosperidade não só espiritual, mas também física e material. 

O mercado se apresenta como alternativa para dar a felicidade e prosperidade material que todos desejam e a teologia da prosperidade anuncia essa felicidade e prosperidade material como direito adquirido de quem aceita Jesus Cristo como Salvador: a condição é a entrega à livre concorrência sem barreiras, fazendo assim a vontade de Deus. 

Não haveria problema se as promessas se cumprissem, mas a realidade é outra. Desemprego, pobreza crescente, desumanização, violência sem limites, deterioração do meio ambiente, colocam em evidência que as promessas do evangelho da prosperidade é somente para um pequeno número de ganhadores, excluindo deste paraíso sempre mais gente. 

Se o cristão entra na competição do mercado para prosperar materialmente, é obrigado a não conhecer nem a graça, nem a misericórdia, mas a perversidade da competição e, naqueles que não conseguem prosperar, o mundo dos pecadores e os possessos do demônio: os excluídos do mercado são catalogados como pecadores endemoninhados. Esta afirmação é falsa, desumana e cínica. Depois da exclusão é preciso demonizar os excluídos. A pobreza é uma manifestação do mal e do demônio, que está porém na lógica do mercado e não nas vítimas do mesmo. Não se trata de exorcizar os pobres, mas de condenar a lógica atual do mercado, o pecado estrutural do neoliberalismo, e buscar uma lógica na qual as pessoas ocupem o primeiro lugar e haja espaço para todos e todas.” 

8 – Conclusão
Depois de ter confundido os construtores da cidade e da torre – ou, melhor dito, para confundir os construtores do monstro de Babel –, Javé chama Abraão a buscar outra terra e outra bênção, outro sistema de vida, a migrar, a sair, a viver o êxodo. Nós cristãos do ano 2000, no kairós do grande jubileu, nos identificamos com essa chamada, com essa missão, com essa alternativa. “Todo mundo sabe que a utopia do nosso século é possível”, dizia Fernando Henrique Cardoso em 1978 (Siglo XXI, p. 36). 

Trata-se da utopia de resolver as necessidades básicas de todos os pobres do mundo. Os recursos existem e nem sequer exigiriam tantos sacrifícios por parte das classes dirigentes. Sucede que as classes dirigentes não se sentem responsáveis pela pobreza do mundo. 

Aqui, sem dúvida, as igrejas cristãs poderiam desempenhar um papel mais protagonista. E se é difícil motivar as estruturas religiosas e pastorais das igrejas como um todo, Deus continua chamando as minorias abraâmicas para viver e viabilizar no mundo esta missão alternativa. 

A igreja terá feito tudo o que estava a seu alcance para melhorar a situação acima descrita? Terá sido suficientemente profética? Ou estaria tão ocupada com seus próprios afazeres que não lhe sobra tempo para meter-se neste mundo? 

“Em contraste com o movimento do êxodo rural, que tem caraterizado as migrações nas últimas décadas em nosso país, o filme Central do Brasil nos convida a fazer um movimento em sentido inverso: o itinerário da volta. Volta para o ‘pai’. Volta à periferia, ao campo, ao sertão. Volta para lá onde tudo começou, muito longe do centro, bem distante dessa ‘Central’, que já não sabe mais por que, nem em relação a que é central. 

Ir em busca do ‘pai’ significa partir à procura da própria identidade, das raízes familiares, dos laços vitais que permitem que a pessoa não se sinta perdida no mundo. Talvez seja disto que o Brasil precisa no momento: voltar às nossas raízes culturais e naturais, não desprezar o que vem de nossas terras, do nosso interior, do nosso povo mais humilde, das raças oprimidas – negros e índios – que compõem nossa população pobre, nossos migrantes abraâmicos que vivem debaixo da perseguição e no exílio...” (Tereza Cavalcanti, em artigo de Tempo e Presença, n. 309, jan.-fev. 2000, p. 23). 

Encerramos o presente artigo com o Manifesto do Foro Internacional das Alternativas de 1998 que conclama a todos com um grito jubilar: 
Está na hora de reverter o curso da história. 
É tempo de pôr a economia a serviço dos povos. 
É tempo de derrubar o muro entre o Norte e o Sul. 
É tempo de encarar a crise de civilização. 
É tempo de rechaçar o poder do dinheiro. 
É tempo de sermos verdadeiros cidadãos. 
É tempo de voltar a valorizar os valores coletivos. 
É tempo de globalizar as lutas sociais. 
É tempo de despertar a esperança dos povos. 
Chegou o tempo das convergências. 
O tempo da ação já começou. 

Manaus, 22 de abril (500 anos de conquista, esperando outros 500).


http://www.itf.org.br/revistas/estudosbiblicos/68_2.php

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Ensinando Padre Nosso ao vigário


         Morgan Freeman deve saber o que é racismo. Ele é preto. E preto americano. Lá, racismo não é cor de rosa. Houve apartheid no duro. 

   Se aqui, no Brasil, onde a miscigenação é a raiz do povo brasileiro, o racismo não é ficção, imagina lá. O que piora é (re)criar o racismo, com estas cotas injustas e com sabor de vingança. Conversa é esta de açoite? Eu nunca açoitei ninguém. 

   Racismo existe? Existe. Preconceito existe, existe. Contra preto, pobre, gordo, anão. Tem que combater, fazendo o que Morgan Freeman sugere: ninguém é de raça nenhuma. Somos raça humana. 

   Ainda que identificar o biotipo negróide ou caucasiano seja apenas constatar o que os olhos vêem. Joaquim Barbosa é preto. Barack Obama é mulato. Putin é caucasiano. Yoko Ono é asiática.

Bobagens sobre índio.


    
    A noção rudimentar de que, até o Descobrimento, os índios viviam na Terra Brasilis como se fossem Adão e Eva no Éden, antes da Queda, e que a vida era tal qual o filme Pocahontas, dos estúdios Disney, carece só de um pouco de leitura.

    O que havia aqui antes - e depois - de 1500 era a história humana em sua plenitude. Índio é ser humano. Muitas tribos que habitavam o território brasileiro há milhares de anos já não existiam quando aqui chegaram os primeiros colonizadores. 

    Elas simplemente desapareceram e a explicação para a extinção de etnias inteiras foram as guerras tribais, disputas por território, guerras de extermínio, domínio de uma tribo sobre a outra, escravização etc. Tudo isto aconteceu, ao lado e dentro de culturas material e ideologicamente sofisticadas, com organização social, política e religiosa desenvolvidas.

    A propósito dos índios do Mato Grosso, nestes tempos de tanto 'guarani-kaiowá de butique, cabe referência a Darcy Ribeiro em seu livro "Os índios e a civilização - A integração das populações indígenas no Brasil moderno". Diz o antropólogo:

    "Já antes dos primeiros contatos com os brancos, os grupos guaykuru manifestavam tendências para o domínio de outras tribos de caçadores e coletores e sobre os lavradores guaná. Estas tendências iriam crescer nos séculos seguintes, graças à adoção do cavalo e seu uso na caça e na guerra"

    O cavalo, introduzido pelos espanhóis, foi utilizado pelos guaykuru como montaria e como arma de guerra, através da qual puderam entrar em contato com tribos distantes e lhes impor vassalagem. Os Mbayá-Guaykuru atacavam e saqueavam não somente grupos indígenas, mas também povoados espanhóis e portugueses, e missões jesuítas, fazendo cativos em todos eles.

    Uma das fontes de crescimentno destes índios era o preamento (captura e 'domesticação' de crianças). Os guaykuru, por vezes, se aliavam aos espanhóis contra os portugueses; noutro momento, tornavam-se aliados de portugueses, contra os espanhóis.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Corção: vítima do Pasquim


    Os 'iluminados' do Pasquim vão ter que prestar contas no Juízo Final: milhares de pessoas deixaram de se interessar e conhecer Gustavo Corção pela campanha infamante e difamante que o jornal fez sistematicamente contra ele.

    Eu mesma fui uma das pessoas que usavam o nome de Gustavo Corção para referir-se a mentes obscurantistas, retrógadas e nefastas. Isto sem ter lido uma única linha produzida por este brilhante intelectual e escritor. 

   Quando fui lê-lo, tive vontande de me atirar ao precípio. De vergonha pelo que fiz e disse no passado sobre Corção.

Miséria dá lucro? Bobagem, Jabor.



     "A miséria não acaba porque dá lucro"? Isto é bobagem. Miseráveis não compram, nada consomem, poluem nascentes de rios próximas de áreas invadidas , promovem desertificação pelo uso errado das florestas, dependem de dinheiro público da assistência social e saúde pública e por aí vai. 

     Marx falou besteira quando dividiu os homens em burgueses ricos (que se apropriavam do lucro) e proletários miseráveis ( de quem era tirada a mais-valia pela oferta a preços aviltantes da força de trabalho).

     Ele esqueceu de incluir aí os consumidores, aqueles que consomem os bens produzidos pelos trabalhadores e que garantem o lucro dos donos das fábricas.

     Se os ricos são uma parcela ínfima da população, não conseguem consumir tudo o que é produzido. Se ficam ricos pelo fato dos produtos todos serem vendidos, quem os compra não pode ser um miserável que mal come. 

     E aí? Cadê a máxima de que o capitalismo gera meia dúzia de ricos e milhões de explorados? Lorota, vigarice, desonestidade e burrice de Karl Marx.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Darcy Ribeiro: brasileiro é(ra) ninguém

      Darcy Ribeiro expõe com raro brilho o que é o brasileiro, no seu livro "O Povo Brasileiro - a formação e o sentido do Brasil". O capítulo 'Os brasileiros' é primoroso:


O Povo Brasileiro

Darcy Ribeiro

OS BRASILEIROS

O processo de formação dos povos americanos tem especificidades que desafiam a explicação. Por que alguns deles, até mais pobres na etapa colonial, progrediram aceleradamente, integrando-se de forma dinâmica e eficaz na revolução industrial, enquanto outros se atrasaram e ainda se esforçam por modernizar-se? Evidentemente, os povos transplantados, cuja identidade étnica já veio perfeitamente definida da Europa, encontram em sua própria configuração facilidades de incorporar-se a uma nova civilização surgida no seio de suas matrizes. Outro é o caso de povos que estavam se fazendo como uma configuração totalmente diferente de suas matrizes, que enfrentava a tarefa de difundir os povos que reuniu, tão diversos uns dos outros.
É tarefa sua, inclusive, definir sua identidade étnica, a qual não pode ser a de meros europeus de ultramar.
Outra argüição posta pela história é sobre a causa da uniformidade lingüística dos povos americanos. Tanto no norte como no sul, as línguas que se falam em imensos territórios, por milhões de pessoas, são as mesmas - o inglês, o espanhol, o português -, que nem apresentam dialetos. Como nada disso ocorreu em nenhum outro lugar da terra, cumpre indagar como se deu aqui.
O nome Brazil geralmente identificado com o pau-de-tinta é na verdade muito mais antigo. Velhas cartas e lendas do mar oceano traziam registros de uma ilha Brasil referida provavelmente por pescadores ibéricos que andavam à cata de bacalhau (cf.
Gandia 1929 ). Mas ele foi quase imediatamente referido à nova terra, ainda que o governo português quisesse lhe dar no mes pios, que não pegaram. Os mapas mais antigos da costa já a registram como "brasileira" e os filhos da terra foram, também, desde logo chamados "brasileiros". Entretanto, o uso do nome -- Página 127 como gentílico, que um povo atribua a si mesmo, só surgiria muito depois.
O gentílico se implanta quando se torna necessário denominar diferencialmente os primeiros núcleos neobrasileiros, formados sobretudo de brasilíndios e afro- brasileiros, quando começou a plasmar-se a configuração histórico-cultural nova, que envolveu seus componentes em um mundo não apenas diferente, mas oposto ao do índio, ao do português e ao do negro.
A consciência plena dessa oposição só seria alcançada muito mais tarde, mas a percepção dos antagonismos e diferenças se dá desde as primeiras décadas. Revela-se na prevenção do nativo com relação ao metropolitano e, como contrapartida, no desprezo deste pela gente da terra. Evidencia-se na perplexidade do missionário que, em vez de famílias compostas de acordo com o padrão europeu, depara no Brasil com verdadeiros criatórios de mestiços, gerados pelo pai branco em suas múltiplas mulheres índias. Denota-se, na inquietação do funcionário real que, dois séculos após a descoberta do Brasil, se pergunta se um dia chegará aquela multidão mestiça, se entendendo em tupi-guarani, a falar português.
É bem provável que o brasileiro comece a surgir e a reconhecer-se a si próprio mais pela percepção de estranheza que provocava no lusitano, do que por sua identificação como membro das comunidades socioculturais novas, porventura também porque desejoso de remarcar sua diferença e superioridade frente aos indígenas.
Naquela busca de sua própria identidade, talvez até se desgostasse da idéia de não ser europeu, por considerar, ele também, como subalterno tudo que era nativo ou negro. Mesmo o filho de pais brancos nascido no Brasil, mazombo, ocupando em sua própria sociedade uma posição inferior com respeito aos que vinham da metrópole, se vexava muito da sua condição de filho da terra, recusando o tratamento de nativo e discriminando o brasilíndio mameluco ao considerá-lo como índio.
O primeiro brasileiro consciente de si foi, talvez, o mameluco, esse brasilíndio mestiço na carne e no espírito, que não podendo identificar-se com os que foram seus ancestrais americanos - que ele desprezava -, nem com os europeus - que o desprezavam -, e sendo objeto de mofa dos reinóis e dos luso-nativos, via-se condenado à pretensão de ser o que não era nem existia: o brasileiro.
Através dessas oposições e de um persistente esforço de elaboração de sua própria imagem e consciência como correspondentes a uma entidade étnico-cultural nova, é que surge, pouco a pouco, e ganha corpo a brasilianidade.
É bem possível que ela só se tenha fixado quando a sociedade local se enriqueceu, com contribuições maciças de descendentes dos contingentes africanos, já totalmente desafricanizados pela mó aculturativa da escravidão. Esses mulatos ou eram brasileiros ou não eram nada, já que a identificação com o índio, com o africano ou com o brasilíndio era impossível. Além de ajudar a propagar o português como língua corrente, esses mulatos, somados aos mamelucos, formaram logo a maioria da população que passaria, mesmo contra sua vontade, a ser vista e tida como a gente rasileira. Ainda que a especialização produtiva ecológico-regional - açúcar, gado, ouro, borracha etc. - conduzisse a diferenciações locais remarcadas, aquela comunidade básica originalmente luso-tupi se mantém, sempre dando uma linha de continuidade, que tanto destaca sua especificidade étnica como opõe as matrizes das quais surgiu e que matou ao constituir-se.
Aquela protocélula cultural, plasmada nas primeiras décadas, quando o elemento africano ainda estava ausente ou era raro, operou, daí em diante, como o denominador comum do modo de vida popular dos futuros brasileiros de todas as regiões.
Seu patrimônio básico estava constituído pelas técnicas milenares de adaptação dos povos Tupi à floresta tropical, que se integraram na herança cultural do mameluco.
De fato, os novos núcleos puderam brotar e crescer em condições tão inviáveis, e em meio tão diverso do europeu, porque aprenderam com o índio a identificar, a denominar e a classificar e usar toda a natureza tropical, distinguindo as plantas úteis das venenosas, bem como as apropriadas à alimentação e as que serviam a outros fins. Aprenderam, igualmente, com eles, técnicas eficazmente ajustadas às condições locais e às diferentes estações do ano, relativas ao cultivo e preparação de variados produtos de suas lavouras, à caça na mata e à pesca no mar, nas lagoas e nos rios. Com os índios aprenderam, ainda, a fabricar utensílios de cerâmica, a trançar esteiras e cestos para compor a tralha doméstica e de serviço, a tecer redes de dormir e tipóias para carregar crianças. Foi, com os índios, também, que aprenderam a construir as casas mais simples, ajustadas ao clima, como os mocambos, com os materiais da terra, nas quais viveria a gente comum; a fabricar canoas com casca de árvore ou cavadas a fogo em um só tronco. Sobre essa base é que se acumulariam, depois, as heranças tecnológicas européias que, modernizando a sociedade brasileira nascente, permitiriam melhor integrá-la com os povos de seu tempo.
Enfim, a atuar produtivamente sobre uma natureza diversa da européia e da africana, em condições climáticas também distintas, preenchendo os requisitos necessários à
sobrevivência nos trópicos. Essa herança técnico-cultural em que se assentava a adaptação ecológica dos brasileiros era essencialmente a mesma de todas as tribos agrícolas da floresta tropical. Tinha, porém, muitas peculiaridades que a faziam reconhecível como de origem tupi. Para tanto aqui se somam à língua falada pelos neobrasileiros, o nheengatu, que era uma variante do tronco tupi; a fórmula ecológica específica de sobrevivência nos trópicos, com
base na agricultura deles, que era também tupi; e a própria constituição genética dos núcleos mamelucos gerados por pais europeus principalmente nas índias da costa, que eram predominantemente tupi; para, tudo somado, dar aos brasileiros originais uma flagrante fisionomia tupi.
Com efeito, enquanto neotupis é que os núcleos mamelucos brasileiros opunham-se às outras matrizes indígenas - tratando-as genericamente como tapuias -, desprezando-as etnocentricamente como gente inferior, porque não falavam a mesma língua, não comiam farinha de mandioca, nem se comportavam como era cabível a verdadeiros homens. Mesmo a etnologia brasileira, só no presente século tornou-se capaz de distinguir a multiplicidade de povos, confundida sob aquela designação genérica, e de apreciar suas verdadeiras características culturais. As pesquisas de Curt Nimuendaju demonstraram o caráter especializado e relativamente avançado das culturas Jê.
Nesse sentido, o Brasil é a realização derradeira e penosa dessas gentes tupis, chegadas à costa atlântica um ou dois séculos antes dos portugueses, e que, desfeitas e transfiguradas, vieram dar no que somos: uns latinos tardios de além-mar, amorenados na fusão com brancos e com pretos, deculturados das tradições de suas matrizes ancestrais, mas carregando sobrevivências delas que ajudam a nos contrastar tanto com os lusitanos.
Como se vê, estava constituída já uma fórmula extraordinariamente feliz de adaptação do homem ao trópico como uma civilização vinculada ao mundo português mas profundamente diferenciada dele. Sobre essa massa de neobrasileiros feitos pela transfiguração de suas matrizes é que pesaria a tarefa de fazer Brasil.
A assunção de sua própria identidade pelos brasileiros, como de resto por qualquer outro povo, é um processo diversificado, longo e dramático. Nenhum índio criado na aldeia, creio eu, jamais virou um brasileiro, tão irredutível é a identificação étnica Já o filho da índia, gerado por um estranho, branco ou preto, se perguntaria quem era, se já não era índio, nem tampouco branco ou preto. Seria ele o protobrasileiro, construído como um negativo feito de sua ausência de etnicidade? Buscando uma identidade grupal reconhecível para deixar de ser ninguém, ele se viu forçado a gerar sua própria identificação.
O negro escravo, enculturado numa comunidade africana, permanece, ele mesmo, na sua identidade original até a morte. Posto no Brasil, esteve sempre em busca de algum irmão da comunidade longínqua com quem confraternizar. Não um companheiro, escravo ou escrava, como ele próprio, mas alguém vindo de sua gente africana, diferente de todos os que via aqui, ainda que eles fossem negros escravos.
Sobrevivendo a todas as provações, no trânsito de negro boçal a negro ladino, ao aprender a língua nova, os novos ofícios e novos hábitos, aquele negro se refazia profundamente. Não chegava, porém, a ser alguém, porque não reduzia jamais seu próprio ser à simples qualidade comum de negro na raça e de escravizado. Seu filho, crioulo, nascido na terra nova, racialmente puro ou mestiçado, este sim, sabendo-se não-africano como os negros boçais que via chegando, nem branco, nem índio e seus mestiços, se sentia desafiado a sair da ninguendade, construindo sua identidade. Seria, assim, ele também, um protobrasileiro por carência.
O brasilíndio como o afro-brasileiro existiam numa terra de ninguém, etnicamente falando, e é a partir dessa carência essencial, para livrar-se da ninguendade de não- índios, não-europeus e não-negros, que eles se vêem forçados a criar a sua própria identidade étnica: a brasileira.
O português, por mais que se identificasse com a terra nova, gostava de se ter como parte da gente metropolitana, era um reinol e esta era sua única superioridade inegável. Seu filho, também, certamente, preferiria ser português. Terá sido assim, até que aqueles mamelucos e índios e aqueles negros mestiçados ganhassem entidade, como identificação coletiva para que o mazombo deixasse de permanecer lusitano.
Temos aqui duas instâncias. A do ser formado dentro de uma etnia, sempre irredutível por sua própria natureza, que amarga o destino do exilado, do desterrado, forçado a sobreviver no que sabia ser uma comunidade de estranhos, estrangeiro ele a ela, sozinho ele mesmo. A outra, do ser igualmente desgarrado, como cria da terra, que não cabia, porém, nas entidades étnicas aqui constituídas, repelido por elas como um estranho, vivendo à procura de sua identidade. O que se abre para ele é o espaço da ambigüidade. Sabendo-se outro, tem dentro de sua consciência de se fazer de novo, acercando-se dos seus similares outros, compor com eles um nós coletivo viável. Muito esforço custaria definir essa entidade nova como humana, se possível melhor que todas as outras. Só por esse tortuoso caminho deixariam de ser pessoas isoladas como ninguéns aos olhos de todos.
Trata-se, em essência, de construir uma representação coparticipada como uma nova entidade étnica com suficiente consistência cultural e social para torná-la viável para seus membros e reconhecível por estranhos pela singularidade dialetal de sua fala e por outras singularidades. Precisava, por igual, ser também suficientemente coesa no plano emocional para suportar a animosidade inevitável de todos os mais dela excluídos e para integrar seus membros numa entidade unitária, apesar da diversidade interna dos seus membros ser freqüentemente maior que suas diferenças com respeito a outras etnias.
Quando é que, no Brasil, se pode falar de uma etnia nova, operativa? Quando é que surgem brasileiros, conscientes de si, senão orgulhosos de seu próprio ser, ao menos resignados com ele? Isso se dá quando milhões de pessoas passam a se ver não como oriundas dos índios de certa tribo, nem africanos tribais ou genéricos, porque daquilo haviam saído, e muito menos como portugueses metropolitanos ou crioulos, e a se sentir soltas e desafiadas a construir- se, a partir das rejeições que sofriam, com nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros.
O fato, porém, é que uma representação coletiva dessa identificação tem de existir fora dos indivíduos, para que eles com ela se identifiquem e a assumam tão plausivelmente, que os mais os aceitem numa mesma qualidade co-participada. Numa primeira instância, essa função é o reconhecimento de peculiaridades próprias que tanto diferencia e o opõe aos que a não possuem, como o assemelha e associa aos que portam igual peculiaridade. Quando se diz: nossos negros, a referência é a cor da pele; quando se fala de mestiços, aponta-se secundariamente para isso. Mas o relevante é que uns e outros são brasileiros, qualidade geral que transcende suas peculiaridades.
O surgimento de uma etnia brasileira, inclusiva, que possa envolver e acolher a gente variada que aqui se juntou, passa tanto pela anulação das identificações étnicas de índios, africanos e europeus, como pela indiferenciação entre as várias formas de mestiçagem, como os mulatos (negros com brancos), caboclos (brancos com índios), ou curibocas (negros com índios).
Só por esse caminho, todos eles chegam a ser uma gente só, que se reconhece como igual em alguma coisa tão substancial que anula suas diferenças e os opõe a todas as outras gentes. Dentro do novo agrupamento, cada membro, como pessoa, permanece inconfundível, mas passa a incluir sua pertença a certa identidade coletiva.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Ex-chefe militar diz pede desculpas a Fujimori no Peru





11/16/12-  Diário do Pará 
     O ex-presidente perunao, Alberto Fujimori, é acusado de ser o autor intelectual das matanças conhecidas como Barrios Altos e La Cantuta, nas quais foram executadas 25 pessoas pelo Grupo Colina por suspeitas de pertencerem à guerrilha Sendero Luminoso.
         O ex-chefe de um esquadrão da morte do Peru, Santiago Martín Rivas,  desculpou-se com o ex-presidente Alberto Fujimori por tê-lo acusado de ordenar a matança de pessoas na luta contra a guerrilha no país durante seu julgamento por abusos aos direitos humanos, que começou há um ano.

        Santiago Martín Rivas, ex-chefe do grupo militar Colina, disse em um processo contra Fujimori
que foi "induzido ao erro" em uma declaração gravada em vídeo que foi apresentada como
prova contra o ex-presidente.

      "Tenho que dizer a todas as pessoas ausentes, assim como o senhor presidente (Fujimori)
que está presente aqui, que quero pedir desculpas públicas pelos excessos verbais e pelos
excessos que cometi nesse tempo em que fui induzido ao erro", disse Martín Rivas na
audiência.

       O ex-militar  apresentou-se no julgamento para confirmar a autenticidade de suas declarações
gravadas em 2001 - quando era um refugiado da justiça local - e nas quais afirmou que
Fujimori aprovou os manuais de luta anti-subversiva que queriam aniquilar os grupos rebeldes.

O julgamento de Fujimori, de 70 anos, começou no dia 10 de dezembro do ano passado e
pelo tribunal já passaram dezenas de testemunhas entre civis, militares e até seu braço direito,
o ex-chefe de Inteligência Vladimiro Montesinos, hoje preso em uma base naval por corrupção
e tráfico de armas.
O ex-presidente é acusado de ser o autor intelectual das matanças conhecidas como Barrios
Altos e La Cantuta, nas quais foram executadas 25 pessoas pelo Grupo Colina por suspeitas
de pertencerem à guerrilha Sendero Luminoso.
Fujimori, que governou o Peru entre 1990 e 2000, antes de ser destituído pelo maior
escândalo de corrupção da história do país, negou várias vezes sua vinculação com o
esquadrão da morte.
"Como em outros vídeos, fiz afirmações sobre algumas pessoas e alguns órgãos, imputandolhes algumas responsabilidades penais, que não me constavam naquele momento e nem me
constam agora", disse Martin Rivas no tribunal. (Reuters)
http://www.diariodopara.com.br/impressao.php?idnot=20243

E as provas que condenaram Fujimori, cadê?


         Alguém aí sabe que provas contundentes e definitivas condenaram Alberto Fujimori*, confirmando o uso correto da Teoria do Domínio do Fato naquele processo? Todo mundo fala, mas ninguém explica. Eu fui atrás e comecei a descobrir.
   Zapeando pelo blog de Luis Nassifra, acabei achando um comentário muito interessante (feito por alguém que assina SCMarcos) a uma notícia sobre novo processo contra Fujimori (corrupção à imprensa). Diz SCMarcos:
         "Providencial esta postagem sobre Fujimori, por ter sido citado outro dia como exemplo de boa aplicação da  "Teoria do Domínio do Fato" por Roxin, que logo virou argumento para desmerecer o nosso STF.
            O domínio do fato no caso de Fujimori, tal qual no caso de José Dirceu,  também só foi comprovado através de depoimentos, nada mais. Alguns participantes do grupo Colina, que perseguiu os integrantes do Sendero Luminoso durante o governo Fujimori, em depoimentos afirmaram que "sabiam que Fujimori sabia e ordenava". Só isso. Nenhuma prova contundente também, nenhum vídeo, nenhum documento, nenhuma gravação. Por outro lado, muitos participantes do grupo, inclusive Vladimiro Montesinos, seu criador e comandante, afirmaram que tudo foi feito sem que Fujimori soubesse de nada.
           Por fim, é bastante interessante a similaridade com o que foi visto no julgamento de Fujimori e como está sendo visto o julgamento da AP 470. Lá como cá, os fujimoristas estavam convictos que se tratava de um perseguição política com vistas a eleição de 2011 e a possível eleição da filha de Fujimori, que inclusive foi ao segundo turno e perdeu por pouco para Humala. 
         Inclusive nos comentários lêem-se declarações que mais parecem de adoração a um ídolo do que a um ser humano qualquer, de como Fujimori acabou com o terrorismo e recolocou o Peru no caminho do crescimento, deu oportunidade a milhões de peruanos, etc., sem contar a afronta à Constituição e a comparação do Tribunal Federal do Peru a um circo da mídia, que cobriu o julgamento por longos 15 meses.
        Enfim, lá como cá, as paixões políticas se colocam acima da racionalidade cidadã. Uma pena.
       Quem quiser ler os comentários:

 O ex-presidente peruano Alberto Fujimori foi condenado a 25 anos de prisão por crimes contra os direitos humanos.  Em 1991, o grupo paramilitar conhecido como o esquadrão da morte Colina invadiu uma festa em Barrios Altos, bairro pobre do centro de Lima, e matou 15 pessoas suspeitas de terem vínculos com o grupo terrorista Sendero Luminoso. Em 1992, o esquadrão Colina sequestrou e assassinou oito alunos e um professor da Universidade La Cantuta, nas redondezas de Lima. O tribunal concluiu que Fujimori autorizou ambos os assassinatos, além dos sequestros do empresário Samuel Dyer e do jornalista Gustavo Gorriti.