segunda-feira, 10 de março de 2014

Refutando Olavo de Carvalho

“Argumento Ontológico” enquanto Construção Linguística
Mauro Bartolomeu



         Chama-se argumento ontológico da existência de Deus aquele segundo o qual, sendo Deus, por definição, o ser perfeito, e sendo a inexistência uma imperfeição, deve-se forçosamente concluir que a inexistência não faz parte de sua natureza, e que, portanto, ele existe. 

Tal argumento, elucubrado por Anselmo de Aosta, um dos fundadores do escolasticismo, foi rejeitado já pelo próprio Tomás de Aquino e mais tarde por Immanuel Kant, para quem a existência não pode ser deduzida a priori, mas apenas a posteriori, ou seja, por experiência. Em outras palavras, para o arcebispo de Cantuária a existência do seu deus podia ser provada pela intuição e pela razão, sem a necessidade de uma prova material, pois a própria “criação” seria a prova a posteriori desse deus que seria sua “causa primeira”. 

Para Kant esse raciocínio é absurdo, já que da análise do conceito não se pode deduzir a existência do objeto (ou, em termos linguísticos, da existência de um signo não decorre a existência do seu referente). Isso nos parece tão óbvio que nos causou grande surpresa verificar que ainda haja quem disso discorde, como o respeitado filósofo Olavo de Carvalho, que pretende ter refutado a crítica kantiana com uma argumentação no mínimo abstrusa. 

Num dos “comentários suplementares” que o Sr. Carvalho acresce ao final de sua tradução de Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão, de Schopenhauer (2003), o filósofo brasileiro expõe em poucas linhas seu raciocínio. A causa de sua obscuridade pode ser atribuída à brevidade da exposição; seja como for, escusamo-nos de buscar sua fonte original (Carvalho, 1995), na suposição de que a síntese do seu pensamento, porque feita pelo próprio autor, deva ser suficiente para sua intelecção.

 E é com esse objetivo que o transcrevemos ipsis litteris: “1º A evidência de uma proposição pode ser reconhecida não só pelo sentimento de certeza, isto é, subjetivamente, mas também por análise lógica: proposição autoevidente é aquela que só pode ser contraditada por uma proposição equívoca, isto é, de duplo sentido. 2º Logo, um juízo autoevidente não pode ser hipotético ou puramente formal: é sempre um juízo de alcance ontológico. 

3º A proposição “um ser necessário existe necessariamente” é autoevidente, porque é impossível decidir se sua contraditória é “um ser necessário não existe de maneira necessária” (subentendendo-se que pode existir de maneira contingente) ou “um ser necessário necessariamente inexiste”. 4º Logo, o juízo “um ser necessário existe necessariamente” não pode ser hipotético, não se aplicando portanto, ao caso, a distinção entre “Deus” e “o conceito de Deus”. Fica assim derrubada a objeção kantiana.” (op. cit., p. 248). 

A tese do Sr. Olavo de Carvalho se sustenta em confusões de caráter linguístico, em razão do que, ao expor sua refutação, repetidamente usaremos termos provenientes da Linguística. Intentemos, pois, destrinchar seu raciocínio.

Dizer que o valor de verdade de uma proposição pode ser reconhecido por pura análise lógica não significa que não tenhamos sempre que recorrer, em última instância, a proposições cujo valor de verdade só possa ser reconhecido empírica ou intuitivamente; mas apenas que, uma vez estabelecidas algumas certezas empíricas ou intuitivas, seja possível tirar conclusões puramente lógicas. 

Sendo assim, não polemizaremos em relação a este ponto e admitiremos, em primeiro lugar, que isso seja possível. Porém imediatamente a isso o filósofo introduz, à guisa de conclusão ou de exemplo, a definição de “proposição auto-evidente”. Pretende que qualquer proposição que só possa ser contraditada por uma proposição ambígua é, ipso facto, “autoevidente”. 

Poderíamos admitir provisoriamente esse conceito se considerássemos que sua definição, meramente formalista, não pudesse ter qualquer consequência no valor de verdade de uma tal proposição. No entanto, se o significado do adjetivo “autoevidente” for ele mesmo suficientemente autoexplicativo, a afirmação do filósofo é a de que uma proposição deve ser necessariamente verdadeira pelo simples fato de ser expressa numa determinada forma, o que é algo absolutamente inadmissível pela Lógica Formal. Como se não bastasse, afirma de enfiada que tal proposição deve, logicamente, ter um alcance ontológico, afrontando assim, sem nenhum argumento, a base da filosofia crítica.

Em seguida a essa prestidigitação, apresenta um exemplo de proposição “autoevidente”. O que faz da frase “um ser necessário existe necessariamente” uma proposição “autoevidente” é a impossibilidade de deduzir se sua negação é “um ser necessário não existe de maneira necessária” ou “um ser necessário necessariamente inexiste”.

 Em outras palavras, o que a torna “autoevidente”, e portanto “verdadeira”, é justamente sua ambigüidade interna, uma vez que não é possível determinar com certeza se “necessariamente” é um advérbio de modo (“de maneira necessária”) ou de afirmação (equivalendo a um “certamente”). 

Não cremos que o Sr. Olavo de Carvalho pretenda que todo enunciado ambíguo seja verdadeiro, e muito menos que ele tenha alcance ontológico; não obstante, por mais absurdo que seja, é isso o que se pode desentranhar do seu texto. Conclui o filósofo que, tendo demonstrado que o enunciado em questão “não pode ser hipotético”, não se aplica a ele a distinção entre o objeto a que se refere e o conceito desse objeto, que é o absurdo final dessa sequência de absurdos, pois equivale a confundir o significado(elemento constituinte do signo linguístico) com o referente (o objeto do mundo real para o qual o signo aponta).

O que faz dessa afronta à Lógica Formal uma afirmação escandalosa é o fato de ser o seu autor um estudioso de Aristóteles, a quem se atribui nada menos que a invenção daquela ciência (Olavo de Carvalho é autor de um ensaio polêmico mas instigante acerca de Aristóteles, intitulado Aristóteles em Nova Perspectiva). 

Para Aristóteles, não caberia à Lógica (que ele, na verdade, chamava de Analítica) determinar o valor de verdade das proposições, mas tão somente a conclusão necessária dadas duas premissas (verdadeiras ou não). A primeira tese do Sr. Olavo de Carvalho vai de encontro, portanto, a um dos princípios mais elementares da Lógica, pois não pode haver qualquer proposição cujo valor de verdade se depreenda diretamente do seu aspecto formal. 

Aparentemente, o filósofo confunde o discurso metalinguístico com um discurso que tem “alcance ontológico”. Se afirmamos que o “ser necessário” é aquele que “existe necessariamente” estamos apenas relacionando, na terminologia de Philippe Hamon (1993), uma condensação denominativa a uma expansão predicativa, entre as quais existe equivalência semântica. O fato de o conceito de “existência” compor a definição do termo não implica, de maneira alguma, que a este termo deva necessariamente corresponder um ser no mundo real.

 Objetos que não existem no mundo físico, e mesmo objetos inimagináveis (como o “círculo quadrado” de Spinoza) podem ser nomeados e definidos sem que tais definições possam ter qualquer alcance ontológico. Da mesma forma, se eu afirmo que um “unicórnio” é um “animal semelhante a um cavalo com um único chifre no meio da testa” não quero com isso dizer que tal animal tenha existência fora da imaginação, ainda que, de maneira correlata ao pensamento cartesiano de que para pensar é preciso existir, também se possa afirmar que isso seja igualmente necessário para ser semelhante a um cavalo e para possuir um chifre…

 É certo que no caso do unicórnio os dicionários normalmente anteponham a essa definição algum sintagma nominal como “animal fabuloso” ou “ser mitológico”, mas isso não invalida nossa comparação. Afinal, seria dar aos dicionaristas, em vez de aos filósofos, a primazia em determinar o que é e o que não é real; tanto mais quanto seria igualmente possível definir o tal “ser necessário” como “ser mitológico que, segundo a lenda, existe necessariamente”. 

É preciso não se deixar levar por esse tipo de jogo de palavras quando o objetivo é atingir uma verdade unívoca. Seria preciso, pois, em primeiro lugar, eliminar a ambiguidade do enunciado afirmativo em questão, determinando se o advérbio necessariamente é de modo ou de afirmação; teríamos, assim, dois enunciados bastante distintos semanticamente, a partir dos quais os filósofos poderiam reaquecer seus debates. 

Se, considerando o advérbio como sendo de afirmação, afirmarmos que o “ser necessário” é aquele que, por definição, certamente existe, seu referente poderá ser entendido como todo e qualquer ser cuja existência seja certa ou possa ser constatada de alguma maneira (e assistiríamos então à diluição do seu significado original). 

Se, por outro lado, tomando o advérbio como sendo de modo, afirmarmos que o “ser necessário” é aquele que, por definição, existe de maneira necessária e nunca contingente, será preciso, primeiramente, explicar em que consistem essas duas diferentes modalidades de existência, e depois verificar se a definição corresponde à realidade empírica, pois ainda não teremos conhecido desse “ser” nada mais que sua definição, e ela ainda não será mais que a definição de uma hipótese. 

Concluir aprioristicamente pela efetiva existência do “ser” em questão é perfeitamente similar ao que fazia Zenão de Eleia ao demonstrar, por meio de raciocínios inteiramente lógicos em sua forma, que o movimento não poderia existir.

É esse problema metalinguístico, o das definições, que leva o Sr. Olavo de Carvalho a confundir o termo “Deus” com o “conceito de Deus”, tal seja o de “ser que existe necessariamente”. Até porque o ser ao qual tal definição pode ser atribuída é o “ser necessário”, e não “Deus”, ao qual só se pode, com o mesmo rigor, atribuir a definição “ser divino”.É claro que a Teologia tem muito mais a dizer sobre seu objeto de estudo do que simplesmente que ele tem o dever de existir, por isso precisa ir além da tautologia metalinguística.

Pode-se ainda dizer que é um problema da mesma natureza o que leva os filósofos metafísicos (e com eles o Sr. Olavo de Carvalho) a pensar que haja mais que uma forma de existir, de tal maneira que tudo de cuja existência podemos tomar conhecimento empiricamente passa a ter apenas uma existência contingente, ao passo que o suposto “ser necessário” passa a ser a única existência necessária. 

Trata-se, como afirmamos, de um problema metalinguístico, porque está indissociavelmente ligado à definição de “existir”. Os dicionários, via de regra, apenas enumeram uma série de verbos sinônimos. Assim o faz Aurélio: “1. Ter existência real; ser; haver. 2. Viver; estar. 3. Subsistir, durar. (…)”. Note-se que o único sintagma nominal presente leva também à tautologia, pois “existência” é para o mesmo dicionário sinônimo de “1. O fato de existir, de viver; vivência. 2. Vida. 3. Realidade”.

 Ou seja: “existir” é ter uma “realidade real”, o que não nos acrescenta muito em termos cognitivos. De fato, embora a noção de existência nos pareça óbvia, é tarefa quase impossível defini-la. Ora, se já é problemática a associação dessa “condensação denominativa” a uma “expansão predicativa”, tanto mais sua associação a adjetivos nada óbvios como "contingente" e "necessário".

 Seja como for, o pressuposto da concepção metafísica anteriormente exposta é o de que cada uma das coisas que existem poderia perfeitamente deixar de existir individualmente sem que as demais (ou pelo menos a maioria delas) tivessem, por causa disso, de deixar de existir também; apenas por essa razão é que se diz de tais coisas que são “contingentes”. 

Quanto ao “ser necessário”, que é por definição aquilo que faz com que as coisas existam, não pode deixar de existir sem que o mesmo aconteça com todas as outras coisas ao mesmo tempo; logo, a única conclusão que se pode tirar desse raciocínio é a de que o “ser necessário” é “necessário” para a existência das coisas que sabemos serem existentes… 

Mas essa tautologia não pode ter alcance ontológico, primeiro porque, uma vez que desconhecemos o mecanismo ou o funcionamento da “existência”, nada abona a interpretação de que ela necessite de uma “causa primeira” ou de um “ser necessário”, muito menos que haja maneiras distintas de existir; segundo porque esse “ser necessário”, se existe, está submetido à mesma existência, e, portanto, não pode ser a causa dela; se, por outro lado, é a causa de toda existência, tem de ser anterior a ela, e estar, por isso, fora dela, não podendo, portanto, existir.

Esperamos ter demonstrado que o raciocínio desenvolvido pelo Sr. Olavo de Carvalho fundamenta-se em puras relações de linguagem, as quais definem bem o que, depois de Sócrates, ficou conhecido como argumentação sofística. Não é nosso intento entrar na discussão da existência dos mais diversos deuses, mas apenas apontar um raciocínio falacioso muito específico, relativo ao argumento ontológico da existência de Deus, ressuscitado pelo Sr. Olavo de Carvalho, a quem esperamos não ter desrespeitado em nossa breve exposição, e de quem esperamos possa exercer seu direito de resposta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Olavo de. Breve Tratado de Metafísica Dogmática. Rio de Janeiro: Instituto de Artes Liberais, 1995 (apostila).
HAMON, Philippe. Du Descriptif. Paris: Hachette, 1993.

20/3/2007

PALAVRAS-CHAVE: Metafísica; Argumento Ontológico; Filosofia da Linguagem.
KEYWORDS: Metaphysics; Ontological Argument; Language Philosophy.
RESUMO: O filósofo Olavo de Carvalho reafirma o conhecido “argumento ontológico” da existência do “ser necessário” por meio de um hábil torneio linguístico que o presente artigo põe a nu e refuta.
ABSTRACT: The philosopher Olavo de Carvalho reaffirms the known “ontological argument” about the “necessary being” existence by means a subtle discourse, which this article unmasks and refutes.

http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=52023&cat=Artigos

terça-feira, 4 de março de 2014

Profecia de Leonel Brizola


            Leonel Brizola é um homem honesto, inteligente e bom administrador, mas é bipolar hehe. Ele foi governador brilhante do Rio Grande do Sul, fez uma muito bem sucedida reforma agrária no Estado e implantou uma reforma eficiente na educação.

            Depois de 64, meteu-se em aventuras desastrosas, como o grupo dos Onze e a guerrilha de Caparaó, e afundou o Rio de Janeiro com a conversa de não enfrentar a bandidagem para poupar o povo na linha de fogo. Virou o que virou. 

            Não ganhou a eleição para a presidência (perdeu por margem mínima de votos para Lula, na disputa pelo segundo turno com Collor), mas foi o único que ficou ao lado do 'caçador de marajás) (sic) na época do impeachment, pois sabia que aquilo, sim, era um golpe, que levaria o PT ao poder. Neste trecho da entrevista, ele anuncia o que nós ficamos sabendo depois: o PT levaria o país ao abismo.