quarta-feira, 25 de abril de 2012

Quem matou Fernando Lemos?

        Quem matou Fernando Lemos? O que aconteceu com a criatura mais doce que eu conheci? De que o meu amigo morreu? Ninguém diz nada? Um dos jornalistas mais conhecidos e talentosos de Brasília é internado na segunda-feira e morre na sexta-feira de madrugada e não sai publicada uma única linha sobre o que de fato aconteceu? Aquele que era responsável por cuidar de sua saúde não tem nada a esclarecer? Fernando Lemos morreu 'porque sim'? Onde está a verdade?
    
     Eu conto o que eu sei: quando, uma semana antes de morrer, Fernando Lemos finalmente aceitou ser internado, o seu organismo já tinha entrado em colapso. Ele estava tão debilitado que não pôde se submeter a exames diagnósticos; antes, seu organismo precisava ser estabilizado.  
   
    Caso ele melhorasse, os médicos fariam uma colonoscopia (já sabiam que era câncer de cólon). Fernando, muito fraco, ainda protestou  "Nem morto!". Ao que um dos médicos respondeu: "Morto você já está".
   
    As poucas pessoas que conviveram em tempos recentes com Fernando Lemos sabem que seus últimos dias de vida foram muito dolorosos e sofridos (ele evitava qualquer contato, sabia que estava morrendo, não queria ver ninguém nem queria que o vissem daquele jeito, parecendo saído de um campo de concentração. Fernando estava tão magro que os tumores podiam ser tocados com as mãos. Ele vinha perdendo sangue há mais de seis meses).
    

    Agora, não adianta perguntar por que ele? Por que sofreu? O sofrimento é atributo do ser humano. A pergunta é outra: por que uma pessoa de inteligência incomum, que amava a vida, que nasceu numa família amorosa e unida e queria ver os filhos e netos crescer, entregou-se, sem lutar, e definhou pouco a pouco até morrer?
    
    Por que Fernando, a despeito da precaríssima condição de saúde, não aceitou tratar-se a tempo com os recursos da medicina moderna, que poderiam salvá-lo e preservar aquela doçura de pessoa que todos nós amávamos tanto? 
     

    Por que Fernando Lemos, com histórico de câncer na família (perdeu um irmão há menos de um ano) e com sintomas adiantados da doença, recusou tratamentos médicos sofisticados e recursos tecnológicos de ponta e  entregou-se aos conselhos e cuidados de um  guru naturopata, que nem diploma de médico tem, um tal doutor Melara, 'um subversivo e transgressor' que ensinava as pessoas "a serem seus próprios médicos e a não dependerem de médicos, medicamentos, hospitais e UTIs?"
     
     O quase centenário José Efraín Melara, um dos gurus de Fernando Lemos (o outro é o insinuante e tenebroso babalorixá Raul de Xangô), alardeava a quem quisesse ouvir que "câncer, stress e depressão são nomes inventados à maneira de terrorismo, para assustar a pessoa e fazer com que ela caia dentro do curandeirismo (como ele, cinicamente, se refere à medicina alopática e terapias da medicina moderna)".
     
     Para o cientistaque vive recluso e isolado nas proximidades de Brasília, num sítio que ostenta o nome pretensioso de El Cielo, as doenças não existem, e por isso mesmo, também a cura não existe.   

     - Nós não curamos estas coisas (câncer, stress ou depressão). Nós resolvemos o problema, ensinando a pessoa a descansar, a respirar, a se alimentar. A viver bem. Quem vive bem, não necessita de medicamento. 
    
       Este é o homem a quem Fernando Lemos entregou o cuidado de sua saúde e, pelo visto, o destino de sua alma. Hoje, todos sabemos que este médico - que não possui sequer um site na internet - foi um dos responsáveis por incutir na cabeça de Fernando, desde a década de 70, quando se conheceram, a idéia de jamais procurar socorro na medicina alopática  e de nunca confiar na indústria farmacêutica. 
      
       Nos últimos anos, o contato entre os dois foi intenso e freqüente; Fernando tinha, inclusive, planos de financiar um 'hospital holístico' para o guru naturopata. Sabe-se que o idealista e desprendido Melara recebeu muito dinheiro de Fernando Lemos durante todos estes anos. Defensor de mundo ideal geralmente go$ta muito de real. Olho verde tem olho grande.
    
      A verdade é que o domínio do guru sobre o discípulo era total.  A lavagem cerebral foi tão intensa que, já muito doente, com câncer no intestino e em franco processo de falência física geral, Fernando Lemos se submetia com freqüência a uma das práticas mais usadas e recomendados nos manuais de naturoterapia de Efrain Melara: lavagens intestinais!  Não é de espantar: Fernando era diabético e  a dieta natural prescrita a ele por Melara incluía...rapadura.    
    
      A Naturopatia praticada por Melara é radical: ele não usa nenhum tipo de medicamento e todos os diagnósticos são feitos unicamente através da íris; nem mesmo diagnósticos de doenças graves como câncer contam com o auxílio de imagem (tomografias, raio X ou ultrassom).
        
      Suas terapias utilizam  apenas a água, o barro (argila,) o sol, o ar (respiração), a massagem e a alimentação. Melara não se socorre nem mesmo de  medicinas alternativas , como a homeopatia,  a fitoterapia, a medicina chinesa, a acupuntura e medicina ayurvédica.    
     
      O homem que diz resolver qualquer problema de saúde vive no sítio El Cielo de forma modesta e sem praticamente qualquer recurso tecnológico; sua mesa de trabalho ostenta, no lugar de um computador, uma paquidérmica e nostálgica máquina de escrever Olivetti, que nem elétrica é.
    

      O consultório e sala de espera limitam-se a exíguos metros quadrados de área e, além de cadeiras de metal, daquelas encontradas em bares simples, e ofertadas pelos distribuidores de bebidas, não se vêem mais que posters e imagens de anatomia humana nas paredes e aparelhos de medir pressão antiquados e obsoletos. 
    
      É neste ambiente precário que Melara hoje vive e atende a sua clientela, ao lado unicamente da mulher, Consuelo, uma senhora também de idade já avançada. Sobre suas qualificações, ele garante que estudou  filosofia, direito, jornalismo e medicina, o que, sendo verdade, é inteiramente diferente de ser formado e diplomado (coisa que ele não é) em instituição de ensino superior reconhecida oficialmente pelas autoridades governamentais e de classe.
     
       O naturopata nasceu em Honduras no início do século passado, embrenhou-se na floresta amazônica, conviveu com índios ena década de 60, chegou ao Brasil. Instalou-se nos anos 70 numa chácara na periferia de Brasília.
      
       José Efraín Melara era o próprio Deus para Fernando Lemos, que chegou a criar o blog Ponto de Interseção para expor e defender as idéias de seu guru, apresentado como "herdeiro da tradição dos druidas, a elite científica e intelectual dos celtas, descendente direto dos maias, aborígenes que ocupavam a região onde hoje se localiza a América Central (para Melara, antiga Atlântida, uma civilização muito avançada)".
     

       Segundo Fernando, Melara também "rejeita a herança dos colonizadores, que para ele apenas destruíram uma civilização avançada, pacífica, substituindo-a por uma civilização doente".
       
       Uma curiosidade: Efraín Melara foi do Partido Comunista, exilado político, guerrilheiro, braço direito de Fidel Castro, amigo do revolucionário cubano Camilo Cienfuegos e de  Ernesto Che Guevara. A sua biografia confirma a tese de que hoje 'o 'verde' é o novo nome do 'vermelho'. 

     Basta ler os escritos de Fernando Lemos sobre a naturopatia para comprovar a mistura do 'verde' (a devoção a Gaia) com o 'vermelho '(as idéias chinfrins de Engels expostas no livro A Origem da família, da propriedade privada e do Estado). 
     
      Num malabarismo mental mambembe, no texto intitulado As doenças básicas do homem, Fernando Lemos atribui à propriedade privada a culpa pela criação "da doença chamada família – porque, como o homem era “dono”, alguém de seu sangue tinha que herdar sua “propriedade” (só rindo desta bobagem: era Fernando que organizava todo ano a festa de aniversário de sua mãe, Catita, quando toda a família se reunia em volta da matriarca).
      
        
       Nos textos escritos para enaltecer o guru naturopata, Fernando defendia com freqüência idéias rasteiras, totalmente incompatíveis com seu brilho intelectual. Um exemplo: ele dizia que Efraín Melara era atacado " porque seu trabalho, seus livros, sua pesquisa, a Naturopatia e as naturoterapias buscam a saúde, e a saúde não ajuda no “progresso” nem aumenta o PIB, porque a pessoa saudável não compra remédios, não procura médicos, não freqüenta hospitais, não fica internada nas UTIs, não faz cirurgias."
      
       Fernando Lemos não estava mentindo quando dizia que quase ninguém sabe quem é Efraín Melara. "Ele (Melara)não fez e não faz nenhuma concessão ao sistema, não faz propaganda de seu trabalho, não mercantiliza seu talento, não se adapta à cultura dominante. Não se expõe em palestras ou seminários, não tem site na Internet, edita seus livros - que não são encontrados em livrarias - em edições caseiras. Não busca a fama, nem dinheiro, nem reconhecimento, nem fila de gente na porta de seu consultório".   
  
      Na internet, as referências a Melara são minguadas; geralmente aparecem os artigos do próprio Fernando Lemos enaltecendo o seu guru e a naturopatia, ou então, notícias sobre projetos cinematográficos da animada e holística cineasta e ex-mulher de Fernando Lemos, Ana Cristina Costa e Silva (Tininha) que, entre viagens a Stonehenge e festas à fantasia em que aparece de melindrosa, faz apologia imagética de sábios ancestrais, como Melara, ou visionários do mundo, como Raul de Xangô, um babalorixá e chefe de terreiro de Brasília que se gaba, rindo, de ter 'acesso e intimidade com o diabo'.
     
      Nestes dias, depois que Fernando Lemos morreu, fui atrás de informações sobre o que ele fez, escreveu e creu, durante o período em que estivemos sem contato. Sinto dizer, não vi nada daquela inteligência exuberante que eu conheci e que inspirava quem estivesse à sua volta.
    

     Onde foi parar o enfant terrible que conviveu e, por certo, encantou mentes e inteligências privilegiadas como a do tio Roberto Campos (irmão de Catita, mãe de Fernando), e de Otto Maria Carpeaux, Nelson Rodrigues e Paulo Francis, com quem, com apenas 15 anos, Fernando Lemos dividiu a redação do lendário jornal carioca, Correio da Manhã?
    

     Lendo seu blog O Ponto de Interseção, criado em 2008, eu cheguei à conclusão que a degeneração física de Fernando foi precedida por uma degradação intelectual inacreditável. A argumentação tosca e grosseira, o raciocínio indigente e as conclusões estapafúrdias nos textos de Fernando levam a crer que Melara exercia um domínio espiritual nefasto sobre Fernando. Como se o guru tivesse sugado a energia pensante, o discernimento, o bom senso e a razão de Fernando Lemos.
    

      Eu refiro-me a Melara, mas parece que Fernando sempre esteve 'encantado' por algum 'bruxo'. Basta lembrar que foi Fernando Lemos que projetou a figura vulgar e sem lustro de Raul de Xangô, dedicando-lhe páginas e páginas do Correio Braziliense, patrocinando lançamento de seus livros (sic) e participando de filmes e documentários sobre o "bruxo dialético do Planalto Central", como Fernando se referia a Raul.
    

      Não que Fernando  fosse um idiota, era um transgressor. Estas 'bruxarias' deviam servir, na sua opinião, para afrontar as instituições que ele achava ultrapassadas: o establishment, a Igreja. À volta de Fernando, certamente os devotos de Mãe Gaia, dos saberes ancestrais, da cosmovisão holística e do retorno à pureza da vida natural batiam palmas. Mal sabem estes revolucionários que nada mais politicamente correto e mainstream que esta xaropada apregoada pela Nova Era: 'religiosidade sem religião', culto a Gaia, volta à natureza.
     

      Fernando Lemos deve ter passado os últimos anos de sua vida ouvindo os amigos dizer que ele era iluminado, sábio, um ser conectado com as forças e energias cósmicas e outros blá blá blás. Mesmo agora que ele morreu, o mantra continua a ser repetido. 
     
      Uma boa dose de coragem para dizer a Fernando que tudo o que ele professava e defendia era só estupidez e ignorância talvez fizesse com que a doçura de pessoa que ele era ainda estivesse viva, para preencher de brilho e alegria a vida de todos nós.
  
       Fernando Lemos dizia - repetindo Melara - que qualquer doença é conseqüência do desrespeito às leis biológicas e da apartação do homem com a natureza.  Para a naturopatia, não existe diferença básica entre gripe ou câncer. A cura para um e outro é a mesma:  respirar, alimentar e descansar. Fernando Lemos agora está descansando no Campo da Esperança em Brasília. Em paz. A paz dos cemitérios.   
    
       Eu o encontrarei na eternidade, eu sei que ele foi para o céu. É onde moram os anjos.


Um comentário:

  1. Olá, parabéns pelo blog e pela coragem de ir contra a correnteza. Cheguei aqui por algum link de outro blog que nem me lembro qual.
    Abs.

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