terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Horrolezeiras

        
        Horror: as rolezeiras são, em sua maioria, semi-analfabetas. A fala é na base do 'nóis pega os peixe". É só ouvir:  "Os meninos é muito vaidoso", "eles vai", "nóis entrá", "eles fez arrastão", "quem zuou foi os pulícia", e por aí vai.
 

        O que choca é o fato da indigência gramatical não corresponder à realidade exterior: as rolezeiras são todas bem vestidas, bem cuidadas, usam aparelhos no dentes, têm celulares 'da hora' e desfilam modelitos que estão longe de custar folclóricos 1,99. Por que, então, falam tão errado? Por que o desprezo pela norma culta? Por que isto é assim? É por serem meninas 'pobres, da periferia'? Então, tá.
        
        Eu nasci em berço de ouro, fiz o primário em colégio francês, mas as vicissitudes da vida alteraram o que parecia ser um destino de princesa. Dificuldades financeiras da família obrigaram-me a estudar em escolas públicas e a morar na periferia de Brasília. 

        Eu vivi parte da infância e adolescência submetida a privação material de toda ordem, mas ninguém tirou de mim a alegria de sorrir (não sou amarga) e o gosto de aprender. Eu era (sempre fui) a melhor aluna da classe. Eu gostava de estudar, saber, perguntar, ler. 

        Por falta de dinheiro, nós não tínhamos quase livros de leitura e boa literatura em casa. Para mim, isto não foi nenhum problema: eu era rato de biblioteca (qualquer uma, da escola, biblioteca municipal, da universidade, onde fosse); minha ficha de retirada de livros em todas elas sempre foi um calhamaço de folhas e folhas grampeadas. 

        Na quarta-série do ginásio, eu concorri pelo meu colégio à disputa de Melhor Caderneta Escolar de todo o Distrito Federal, patrocinada pela Alitalia. O prêmio era uma viagem a Roma, fiquei em terceiro lugar entre dezenas de concorrentes. Minha média geral no colégio era 8,9.

        Fiz o científico também em escola pública (eram boas, naqueles anos, entre as décadas de 60 e 70) e passei no primeiro vestibular para Jornalismo, na UnB. Formei-me com média 4, no total de 5, que era a nota máxima. 


      Quando eu era adolescente, eu tinha tudo para culpar 'a sociedade' por ser 'excluída', 'oprimida' e ' explorada': afinal, a vida era dura, a grana era curta, o ônibus era cheio, o guarda-roupa era modesto (mas eu era linda hehe). 

       Em vez de curtir o vitimismo (eu também me fazia de vítima, às vezes, mas nem sempre), eu vivia inventando coisas para ganhar algum dinheiro. Aos 18 anos, no primeiro ano de faculdade, saí da casa de meus pais e fui morar sozinha. Trabalhava para pagar aluguel, comer, ir ao cinema. Fiz estágio no SESC, dei aula, até começar a trabalhar em jornal, em 1975. O dinheiro sempre foi curto. Depois, melhorou. 

     Hoje, com sessenta anos, três filhos e trinta e três anos de casada, eu tenho uma vida confortável, sem sobressaltos ou grandes dificuldades. Sou a rainha do lar, meu trabalho é cuidar de minha família. Não precisaria, se quisesse, abrir um livro. 

     Mas nunca parei de aprender, mesmo quando o tempo era (ainda é) quase nenhum, pelos cuidados com os filhos pequenos, a casa, a família. Atualmente, entre livros, sites, hangouts e palestras pela internet e fui aluna (de 2009 até março de 2014) do Curso Online de Filosofia de Olavo de Carvalho.

     Quando reclamo que aqui em casa faltam estantes, meu filho brinca: "Não, mamãe, sobram livros". Costumo alardear que são três mil, mas dou desconto de 50%, faço por mil e quinhentos. Dois mil, fechado!

     E vem esta garotada com este papo de 'nóis pega os peixe"? Ora, vão rolezar numa biblioteca!