terça-feira, 21 de abril de 2015

Brasília, a outra

      Eu conheci Brasilia em 1960, quando não tinha sequer completado sete anos; fui morar lá no final de 64 e saí, para vir para São Paulo, em 1981. Eu não tenho 'impressão' sobre a vida lá, eu tenho uma vida lá. Descobertas, encantamentos, vivências de menina, adolescente e adulto, tudo muito intenso. 

      Eu não sei falar de Brasília como o 'outro', eu me confundo com a cidade. Eu cresci com ela. Hoje, eu não a reconheço muito, mas ela será sempre um lugar para onde tenho vontade voltar, e quando volto, reencontro-me. Aquele horizonte, o mais belo nascer e por-do-sol do planeta, o céu mais desafiante e majestoso que pode existir são parte de mim. E eu gosto.

Brasília: feio não é bonito

       Brasília era linda, só não podia envelhecer. Na década de 70, na flor de seus vinte anos, a cidade transpirava frescor: a tinta nova dos prédios e casas, o gramado estendendo-se como tapetes bem cuidados por quilômetros na cidade, as superquadras floridas e arborizadas, sem guaritas nem portarias, os (poucos) carros, o trânsito ameno, a imensidão da Esplanada, os edificíos e palácios que pareciam flutuar, tudo isto fazendo contraste com o mais belo céu e por-do-sol do planeta.

       Brasília foi construída na linha reta do horizonte, nada limitava nosso olhos. Cidade sem gente? Caminhos só por passagens subterrâneas?! Que bobagem. A idéia de prédios de seis andares, sobre pilotis, era para preservar a visão do céu e das estrelas e permitir que todo mundo - qualquer cidadão - andasse por dentro das quadras, sem necessidade de se desviar. Não havia cerca, muro, nada. Os prédios não tinham sequer porteiro. O acesso aos apartamentos era feito por uma porta de vidro e um hall de elevador. 

       Em Brasília, costumávamos andar pelos gramados do Plano-Piloto à noite, à luz da lua, sem perigo, sem sobressalto. Brasília era a única cidade onde não era proibido pisar na grama. Quem tinha nascido lá, ou viera muito jovem para Brasília, não se acostumava com as outras cidades, tão convencionais e velhas.

       Vivi em Brasília de 64 a 80, dos 11 aos 27 anos. Minha juventude. Como toda (c)idade, tinha suas dores e alegrias. Hoje, mais de 30 anos depois que eu saí de lá, não reconheço mais Brasília. Brasília pretendia ser uma coisa e, então, deu tudo errado e ela se transformou em algo inominável. Vendo no que a cidade se transformou, comentei no álbum de fotografias de Brasília, feitas por Clara Favilla, uma querida amiga que ainda mora lá. *(As fotos estão no link abaixo no Facebook):

       "Ao assistir ao documentário 'Why beauty matters'**, produzido pela BBC e apresentado pelo filósofo Roger Scruton, lembrei-me imediatamente de Brasília e sua arquitetura. Não resisti: a cidade parece destinada à implosão. Vendo tuas fotos sobre estas quadras brazilienses, constato um fato inescapável: " Nosso mundo virou as costas para a beleza. Não somente a arte fez um culto à feiúra, como a arquitetura tornou-se sem alma e estéril. Não foi somente nosso entorno que tornou-se feio. Nossa linguagem, música e maneiras se tornaram mais rudes, ofensivas, como se a beleza e o bom-gosto não tivessem lugar em nossas vidas." Roger Scruton diz tudo.

* https://www.facebook.com/clara.favilla.1/media_set?set=a.3169321949424.2156038.1156733543&type=3

** https://vimeo.com/55784152

Brasilianas -1

       
       Eu acho a Catedral de Brasília uma construção de rara beleza. Tenho uma relação afetiva com o lugar. Eu a visitei inúmeras vezes. JK foi velado lá. 

       Não é só o projeto em si de Oscar Niemeyer  Nenhuma obra arquitetônica é só o trabalho de engenheiros e pedreiros. Quando ela fica pronta, a construção vira 'o conjunto da obra'. Não há como desvincular os edifícios e construções projetadas por Oscar em Brasília dos nomes de Bruno Giorgio, Athos Bulcão, Ceschiatti, e tantos outros. 

      A Catedral é exemplo. Experimenta entrar nela e deparar-se com os anjos de Ceschiatti suspensos naquela luz azulada dos vitrais de Marianne Perreti, o imenso e solene Cristo Crucificado, os painéis de Athos Bulcão, a Via-Sacra de Di Cavalcante, a Pietá de Michelângelo. É beleza. 

Laudas por fraldas

       Eu percebo uma frustração aparente (e um júbilo misturado à inveja, no íntimo) quando conto que jamais, nem por um segundo, eu arrependi-me de ter trocado definitivamente as laudas pelas fraldas (sou jornalista) para cuidar de minha família, desde que meu primeiro filho nasceu, em 1984. 

       Algumas pessoas chegam a insistir para ver se, ao final, eu capitulo e acabe por confessar que, sim, às vezes, eu sinto que fiz uma troca infeliz e que ter deixado de lado aquela profisssão apaixonante, cheia de egotrip é, no fundo, no fundo, uma perda irreparável. Mas meu caso não é de ver pra crer, 'tá na cara.