quarta-feira, 30 de março de 2011

Raciosímio cristalino

       Se alguém da esquerda conta a história do regime militar, instaurado em 64, ele está falando a verdade. Se a história for contada por um militar, conservador, anticomunista ou alguém da direita, aí é versão fascista. A verdade, dignidade, decência, moralidade e integridade são atributos exclusivos da esquerda. Deve ser mesmo. Basta olhar para José Dirceu.

terça-feira, 29 de março de 2011

Honestino Guimarães: o coração e as pilhas

Ossário de vítimas do Khmer Vermelho
      
      Eu não trato aqui do 'coração' de Honestino Guimarães. Não o conheci, vai ver ele achava sinceramente que a sociedade comunista sem classes era o paraíso a que ele deveria levar a classe trabalhadora. E, como Che, pensava que o revolucionário é o estrato superior da raça humana, a quem é permitido tudo em nome da nobreza de seus ideais.
     
     Isto não muda o fato de que, em menos de cem anos, o comunismo tenha matado mais pessoas do que todas as guerras, epidemias e catástrofes naturais da história anterior da humanidade. 

     A conta é de um grupo de historiadores de esquerda ou ligados a ela, à frente Stéphane Courtois. É uma pilha de, no mínimo, cem milhões de cadáveres. Está N'O Livro Negro do Comunismo. Há outras fontes incontáveis.
     

      O problema da esquerda é que estes corações cheios de amor para dar empacam e esfriam diante dos grandes crimes com uma rapidez impressionante. Basta ver o que aconteceu no Sudeste Asiático depois que os corajosos pacifistas mundo afora forçaram a saída dos Estados Unidos do Vietnã (os EUA não estavam perdendo a guerra, esquece).
     
      O Khmer Vermelho de Pol Pot invadiu o Cambodja e fala-se em até dois milhões de civis cambodjanos exterminados pelos comunistas. Nós, esquerdistas anti-americanos, ficamos caladinhos.
     
      Cuba tem uma população quase 20 vezes menor que o Brasil. Com nome e sobrenome, a tal Revolução Cubana matou 17 mil pessoas (sem contar as que foram comidas por tubarões, muitas delas porque helicópteros cubanos afundaram os barcos improvisados, jogando sobre eles sacos de areia). Somando fuzilados e afogados, o número é próximo de oitenta mil.Isto é fato.
     
      Apesar disto (ou por causa disto?), Fidel Castro é incensado no Brasil e Che Guevara estampa camisetas, fazendo chorar os amantes da justiça e dos direitos dos oprimidos.
      
      A coisa que comunista mais faz é falar de liberdade, luta contra opressão, fim às injustiças, direitos do povo e igualdade. E a primeira providência no poder é entronizar uma 'casta' de revolucionários de vanguarda para comandar o povo. A sociedade sem classes começa com a criação de uma classe dominante.        
     
      Apolônio de Carvalho confessava, em um dos seus últimos depoimentos à TV Câmara, que, na pátria do socialismo, a URSS, ele constatou que existiam pessoas de primeira classe (a nomenklatura) e pessoas de segunda classe (o povo). Nem isto o demoveu de continuar defendendo esta forma brutal de opressão que é a sociedade socialista.
      
      Para um comunista, não importa o número de mortos, a culpa pelo socialismo perfeito não existir é sempre do povo. Se ainda não deu certo, não tem importância, vamos continuar insistindo na experiência. O que é uma pilha de cem milhões de mortos? Ora, um incidente. Afinal, não se pode fazer omelete sem quebrar os ovos.

* http://bit.ly/i98cJC

Honestino Guimarães, o "democrata"

      
     Meu compromisso é com a verdade, eu não discuto com a realidade, eu a aceito assim como ela se me apresenta. As coisas são como são. 

     Vou contar uma experiência pessoal, com a ressalva de que eu era uma 'inocente inútil', sem qualquer importância como quadro revolucionário.
      
     Eu caí em junho de 1973, numa operação-arrastão em que foram presos 33 alunos da Universidade de Brasília.(Soubemos que foram presas 150 pessoas no total, a operação não se limitou à universidade). Isto foi pouco antes da prisão de Honestino Guimarães (ele foi visto pela última vez, em setembro daquele ano.
      

     Eu fazia parte de uma célula - vim a saber com mais detalhes tempos depois - do PC do B/AP-ML (Ação Popular Marxista Leninista), a mesma organização de Honestino Guimarães, que eu não conheci pessoalmente.  Na época, estas organizações enfrentavam o Exército Brasileiro, na Guerrilha do Araguaia. Na verdade, quando fui presa, eu nem sabia direito a que eu estava ligada, o segredo fazia parte das normas da casa. Se alguém caíssse...
      
     Foi no colegial (no meu tempo, chamava-se 'científico) que eu fui seduzida pela e para a revolução socialista. Uma colega da escola tinha amigos que eram presos políticos, gente que tinha participado da luta armada naquele final dos anos 60. 

     A imagem deles era de revolucionários de fibra, a quem a tortura não tinha quebrado o ânimo de implantar no Brasil a ditadura do proletariado. A palavra mágica era proletariado  (ninguém sabia direito o que significava; o mesmo acontecia com campesinato, mas sabíamos o que era operário e camponês. Era o povo explorado!)        
      
     Quando entrei na Universidade de Brasília, em 72, eu estava pronta, era só aliciar. E fui imediatamente aliciada. Durante alguns meses, eu recebi aulas de doutrinação marxista em reuniões com militantes que eram meus colegas na Universidade de Brasília. As discussões eram em casa ou no campus da UnB.
     

     Com o passar do tempo, teve até reunião secreta, cercada de rigorosas normas de segurança: trocar de táxi várias vezes, não pronunciar o próprio nome, nem dos outros conhecidos presentes, estas coisas. Lembro-me que eu não contava nem para o namorado ou gente da família o que fazia nem aonde ia.
      

     Nesta época, eu comecei a manter contato com militantes que não eram estudantes, era gente mais velha, que tinha nitidamente a função de aprofundar os compromissos com a organização e distribuir tarefas. Eu percebia que já havia um upgrade na conversa, tinha passado a fase do lero-lero teórico, a próxima fase era da praxis.
     
     Com quase 20 anos anos, participar da 'revolução' era o máximo. E assim, passada a fase de aliciamento e doutrinação, eu ia finalmente experimentar, ver de perto, o que era a praxis: fui  escalada para trabalhos com a 'massa', na periferia do Distrito Federal. Acabei sendo presa antes, graças a Deus(sic).
     
     Eu cheguei a visitar um tal 'círculo operário', em Taguatinga, nos arredores de Brasília. Até estranhei, o lugar mais parecia uma associação comunitária assistencial, acho que estavam testando a minha disposição de 'ir à luta".
      
     As análises do 'momento histórico', nestas reuniões de doutrinação de que eu participei, tinham enfoque nitidamente revolucionário. A proposta era de destruição do Estado burguês capitalista, instalação da ditadura do proletariado/campesinato (a APML era maoísta) e nenhuma negociação com a velha ordem burguesa.
     
     Usar os instrumentos da democracia, como eleições, liberdade de imprensa, aparato jurídico, habeas corpus etc - para permitir e acelerar a tomada do poder para a implantação do comunismo - era um dever do militante revolucionário.
      
     Marx e Lênin nos explicavam que 'liberdades democráticas' eram apenas instrumentos da burguesia para oprimir o verdadeiro sujeito da História: o povo trabalhador.
      

     A instalação de uma ditadura comunista era a proposta de todos os grupos de luta armada no Brasil, àquela altura. E também de grande parte da esquerda não engajada diretamente nas organizações. Admitamos e confessemos:todos nós sonhávamos com o comunismo. 
       
     A fórmula era (e ainda é) esta: a vanguarda revolucionária luta para tomar o poder, que será concentrado em suas mãos para que ela faça as modificações que achar necessárias à transformação radical da vida humana e do mundo.
  
     E, por lutar para concretizar tão nobre (e hipótetico) futuro, o revolucionário está acima de qualquer julgamento da espécie humana. No final, a História o absolverá.
     
      Esta é a essência da mentalidade revolucionária até hoje. Esta é a verdadeiro ideologia que a organização a que pertencia Honestino Guimarães professava. Não sou eu que quer assim. É assim, foi assim. Honestino Guimarães falava em democracia apenas como cortina de fumaça para seus verdadeiros objetivos. Era um instrumento na luta  para se implantar a ditadura comunista.
     
      As provas documentais de que esta é a verdade estão à disposição de quantos queiram conhecê-la(s). Existem dezenas de páginas só de fontes primárias sobre o assunto.
      
     Se Honestino Guimarães é herói de tantos que o cultuam como 'o mártir que a ditadura militar assassinou', nada tenho a ver com escolhas pessoais. O meu assunto é outro. Eu estou interessada na verdade. A ditadura o matou, mas Honestino não deu sua vida pela democracia.
      

     À parte isto, eu repito: é inegociável a condenação incondicional da tortura, da violência e do desrespeito aos direitos humanos de militantes da esquerda. O Estado não pode torturar, matar e desaparecer com um único cidadão.

Honestino Guimarães queria a ditadura

 
Honestino Guimarães na UnB
        
        Uma coisa é condenar incondicionalmente a tortura, a violência e o desrespeito aos direitos humanos de militantes da esquerda. O Estado não pode torturar, matar e desaparecer com um único cidadão. Outra coisa é tratar Honestino Guimarães como um guerreiro e mártir da democracia, que ofereceu-se em sacrifício da própria vida na luta pela redemocratização do País.
        
        Não foi. Dizer que ele lutava pelas liberdades democráticas é escamotear, fingir e fazer de conta que Honestino Guimarães não estava ligado à luta pela implantação de uma ditadura comunista no Brasil.
        
        Ora, ele era militante da AP-ML, a Acão Popular Marxista-Leninista, que era maoísta. O objetivo era declaradamente a tomado do poder e a implantação de uma ditadura comunista, através de um partido único. Sabe a China? Aquilo lá. Com a agravante: era a China de 40 anos atrás, Mao Tse Tung estava vivo.
        

        A luta de Honestino era no campo "revolucionário". Quem garante isto são seus camaradas do Movimento Estudantil Popular Revolucionário http://bit.ly/eDMznp :
        

        "Honestino se forjava como um grande dirigente revolucionário (...) Com uma postura sempre combativa (...) procurava sempre não conciliar com as posturas reformistas e capitulacionistas favoráveis ao “diálogo” com o regime militar.(...) combatia as visões estreitas e sectárias dos trotskistas e outros oportunistas."
        

        Diz ainda o MEPR: "Os órgãos de informação estavam acompanhando atentamente os passos do grupo de que Honestino Guimarães fazia parte (AP-ML, Ação Popular - Marxista-Leninista, denominação da organização de Honestino após a decisão pelo marxismo-leninismo, na linha de pensamento de Mao Tsetung),(...) e se apressaram em atingi-lo quando souberam que a sua direção nacional resolvera apoiar o movimento de resistência armada surgido no sul do Pará (Guerrilha do Araguaia), sob a direção do PCdoB".
        

        Um parêntesis: as organizações de esquerda no Brasil faziam e desfaziam alianças todo o tempo. Assim, é dificil precisar em que momento eram 'cubanas', 'maoístas', ' pró-URSS',' 'alinhadas à Albânia' etc.

        Também é bom lembrar, a propósito, que Padre Alípio, da Ação Popular, a AP de Betinho, o irmão do Henfil, foi a Cuba depois de 64 e voltou em meados de 66, para preparar e executar o atentado à bomba que mataria Costa e Silva, então candidato à Presidência da República, no Aeroporto de Guararapes, em Recife.
        
         No atentado, morreram duas pessoas e quase 20 ficaram feridas, inclusive crianças. Costa e Silva não morreu porque uma pane em seu avião o reteve em João Pessoa. O imprevisto fez com a a cerimônia de recepção fosse cancelada; quando a bomba explodiu, o aeroporto já estava praticamente vazio. Fosse diferente, o atentado seria uma carnificina.

     Isto prova que quem começou a guerra suja não foram os militares. A luta armada não foi a resposta. Foi o início.

*http://bit.ly/i98cJC

quinta-feira, 24 de março de 2011

Anne, sete anos. Toda boa

http://www.youtube.com/watch?v=6mnY-2A21iY&NR=1

         Fazer campanha contra a pedofilia e promover a mais descarada erotização da infância não é contradição: é projeto intencional e deliberado. Gramsci sabe disto. Uma sociedade confusa, esquizofrênica, perdida entre idéias que se anulam, é o terreno perfeito para a instalação do poder totalitário. Fragilizada e amedrontada, a sociedade entregará a liberdade em troca de ordem. Venderá a alma ao diabo.
       Quem postou o vídeo foi a prima de Anne, Juliana, uma professora de 25 anos que ensina crianças de 3 a 14 anos a dançar axé, forró, dança do ventre, danças afro e hip hop. Crianças aprendendo balé ou sapateado? Nem pensar. Dança para crianças de 3 a 14 nos é axé, forró, dança do ventre, dança afro e hip hop. O resultado está no vídeo.
       Vale a pena ler no Youtube os comentários ao vídeo. Uma descida aos infernos. Neste link, outros mostruários do horror: http://veradextra.blogspot.com/2011/03/agora-vamos-ver-as-criancas-dancarem-um.html

quarta-feira, 23 de março de 2011

Elizabeth, I love you

     Elizabeth Taylor morreu hoje. O céu ficou mais bonito e a terra mais pobre. Deus cuide dela. No dia 12 de fevereiro último, escrevi este post que republico aqui. 
    "Elizabeth Taylor é o último grande ícone pop do mundo. O outro era Michael Jackson.  Dame Elizabeth está seriamente doente, não deve viver muito tempo. Quando ela se for, acabou. Ela e MJ eram o melhor amigo um do outro. Não foi coincidência. Eram iguais. No talento, na fama, na precocidade. É estranho um mundo sem Michael Jackson e sem Elizabeth Taylor. Mais feio e mais triste. Sem magia."




(Michael Jackson canta "Elizabeth, I love you", música que ele compôs para homenagear a amiga na festa de seus 65 anos).

PS: Ela detestava ser chamada de Liz. Gostava de ser tratada como Dame Elizabeth, título que ganhou de Sua Majestade, a Rainha da Inglaterra, de quem era súdita. Pouca gente sabe que Elizabeth Taylor era inglesa.



sexta-feira, 18 de março de 2011

P(O)ETISMO

      Não foi só Maria Bethania que descobriu o filão poético-petista para abocanhar "o meu, o seu, o nosso dinheiro".  O jornalista e poeta Luis Turiba também levou uma grana do MinC, em 2007, para escrever o ainda inédito livro-poema 'meiaoito'. É ler para crer.
     
     Assessor de imprensa de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, Turiba foi um dos dez vencedores da cobiçada Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária, que teve mais de 500 participantes. Apesar do grande número de inscritos e dos poucos jurados (apenas cinco) incumbidos de ler os projetos para a escolha dos vencedores, o nome dos eleitos foi surpreendentemente anunciado dois(sic) dias depois do fim das inscrições.
    
     Os prejudicados puseram a boca no trombone, denunciando a mutreta,  Turiba foi citado nominalmente como um dos favorecidos pela farsa montada no MinC/Funarte. Mas não adiantou. *(1)
    
     O poema-título meiaoito - uma mixórdia indigente de clichês e vulgaridades que parece não ter fim - faz referência à militância revolucionária contra a ditadura que o autor afirma ter tido.
   
      A julgar pela Bolsa Literária da Funarte, o autodenominado  poeta, jornalista, compositor, sambista e agente cultural não estava fazendo revolução, mas aquele investimento a que se referiu Millôr ao falar das 'vantagens e indenizações' aos perseguidos pelo regime militar.
   
     Turiba, que define Gil como 'pensador e filósofo', publicou um livro com discursos do ministro-cantor e editou dois DVDs: Gil na ONU e Programa Mundial da Capoeira.
   
     A consistência intelectual e a técnica poética de Luis Turiba estão à altura das profundezas filosóficas de Gilberto Gil.
Axé!

*(1): https://museudelrey.wordpress.com/2007/12/23/os-herois-do-funartegate-e-muito-mais/


http://blogdoturiba.blogspot.com/ (este é o blog do poeta)

meiaoito

68 razões de 68
luis turiba

“aonde andará a alquímica Beta?
em que planeta?em que molécula?
em que circuito de espreita?
em que centro de inteligência?
perdi sua órbita na poeira do tempo
mas não esqueço sua luz, sorriso de menina”
ua babuluna ual bãambum
a língua rock sacode o corpo
let´s twist again
festivais da Record bolinam a massa
CPC da UNE faz realismo engajado
prenuncia-se meiaoito
sexta sangrenta
furo juvenil
chapa quente nas refregas
aquela cabeça brasileira
tinha dois chafarizes de sangue
esguiçando morte como lavas
de um vulcão em erupção
o corpo trimilicava no chão
se sacudindo como tapete roto
no asfalto quente, uma da tarde
corríamos ruidosos por encarar
bombas tiros algemas
dos meganhas do Dops
e dos choques da PM
cantávamos palavras-de-ordem
com a força máxima das entranhas
como se fora o último e único desejo
de nossa jovem existência
cada carro incendiado
um gol comemorado
nunca soubemos-saberemos
quem era aquele
transeunte moreno alto
terno e gravata
tombado como jaca madura
no quintal anônimo
Manchete:
PM TEVE CABEÇA ESMAGADA
POR MÁQUINA DE ESCREVER
polícia procura responsável pela
chuva letrada na Avenida Rio Branco
coitos interruptos
saques no escuro
sabres desembanhados
cavalos na catedral
estilingues tinindo
escancaramento das consciências
ausência de medos & responsas
êxtases & demências
miserere nóbis & ho chin min
elvis & samba de raiz
che & wanderléia
guerilheiros de teses e tesões
arqueiras de flechas incendiárias
companheiras & companheiros
contra a ditadura
a fúria flácidas
de tênis e jeans quetais
braços acima das metáforas
peitos arfados de argonautas
táticas de silêncios e canções
deus nos liderava até nos fragmentos
mas o diabo tacava fogo no nosso rabo
todos os sonhos ativados
táticas lançadas ao redemoinho
fogueiras das vadias ilusões
tudo a girar a girar a girar:
rodas circulares
sputiniks bêbados
cães espiões e tantos senões
no parque juvenil
da doença infantil do esquerdismo
o som dos beatles na vitrola
satisfaction no beco da garrafa
tropicália & zicartola
mutantes & bob dylan
baseados & coquetéis molotovs
tom jobim versus Vandré
sim! tudo tudo tudo vai dar pé
hormônios em erupção
espermatozóides alcoólicos
a beira de um ataque histérico
e os cabelos a crescer
mais que os pentelhos
em torno daqueles pintos desgovernados
não bastava a só liberdade
nem o sol da América do Sul
não bastava só bastar
experimentar para provar
as barreiras do impossível
as fronteiras do improvável
as estações do comunismo
a revolução permanente
entre a esquerda festiva
e a militância ideogrâmica
entre o sexo cuba libre
e o grosso calibre do sem nexo
entre o ato institucional nº 5
e o circo da avenida central
entre o palco da peça teatral
e o tal poste da esquina
onde queimamos a bandeira ianque
com o fogo de nossos ideais
nas reuniões da revolucão
a internacional comunista anunciava:
em paris é proibido proibir
no rio, um rio leva nossas vidas
meiaoito, ano multiúnico
mutilador de calendário
valeu enquanto pulsou
impulsos anti-fuso horário
jardim de pedras e flores
avenida de pontos e pontes
passeatas de 100 mil amores
grande árvore da história
antes durante e avante
quem lá esteve ali se eternizou
aquela flor oiticica
desabrochou pra guerra
sem brochadas típicas
não vingou nem foi vítima
do eco que a fez frondosa
meiaoitista, eis aqui a vida
que trocamos pelos livros das escolas
ah!
meu primeiro grito pós-parto
meu primeiro jato de esperma
minha primeira cabeça raspada
feita e encaminhada ao universo
minha primeira pedra atirada
rumo às trevas por amor ao ardor do combate
meu primeiro era um garoto
que amava os beatles e os rolling stones à Vera
ela é minha menina eu sou o menino dela
minha primeira passeata-enterro
o cadáver ainda quente do secundarista Édson Luís
nosso estandarte dialético
meu primeiro almoço no Calabouço
onde calouro olhei a boca daquela moça
meu primeiro hino de guerra: ABAIXO A DITADURA
FORA O IMPERIALISMO
O POVO ARMADO
DERRUBA A DITADURA
ABAIXO O IMPERIA……
SHE LOVES YOU YÊ-YÊ-YÊ
meu primeiro jaleco manchado
de graxa sangue sonhos e gasolina
de artefatos explosivos
meu primeiro vietnam interno
contra a mecânica do curso técnico
minha primeira massa de manobra perigosa
minha primeira mesada ao partido comunista
minha primeira cabrocha da mangueira
meu primeiro tesão de gafieira
minha primeira nossa senhora da guerrilha
minha primeira cigarrilha
meu primeiro filme de Godard
na sessão de meia noite na Cine Paissandu – La Chinoise
minha primeira foice martelo guitarra e tamborim
meu primeiro artigo pseudocientífico
mostrando que homossexualismo era doença
de menino criado por vó
meu primeiro pileque homeripiscodélico
com cachaça de ebó pra exu na base da JEC do Grajaú
meu primeiro jornal Classe Operária
nas mãos de um pequeno burguês
fumando Continental sem filtro
minha opção pela luta armada
depois de um beijo na namorada
meu primeiro ponto secreto no Cine Roxy
Ave Nossa Senhora de Copacabana
minha primeira reunião da AMES
Pedro II, João Alfredo e André Maurois
minha primeira vontade de beijar um homem
meu primeiro pangrafismo planfletário
meu primeiro esquema de segurança
minha primeira iniciação lisérgica
pós leitura do Pasquim, na Banda de Ipanema,
prédios crescem, ganham vida partem pra cima
corro como quem corre da polícia
rumo às dunas da Gal
meu primeiro coquetel molotov
minha primeira batida de bafo de onça
minha primeira Internacional Comunista
minha primeira panfletagem relâmpago
meu primeiro uivo lunático
meu primeiro livrinho vermelho
do camarada Mao Tsé Tung
com seus ditames solucionáticos
minhas primeira masturbação cósmica
em memória das pernas brancas
de Brigite Bardot
meu primeiro baile de formatura
onde amei loucamente a namoradinha
de um amigo meu e ele nem percebeu
meu ensaio na Portela
Ilu Aiê Ilu Aiê Odora,
negro cantava na nação nagô
minha primeira aula de marxismo
leninismo-stalinismo-maoismo
tudo em ritmo de samba enredo
meu primeiro Tom & Vinícius
por que tu me chegaste
sem me dizer que vinhas
minhas primeiras bolinhas de gude mortíferas
usadas contra a cavalaria que invadiu
a catedral da Candelária
meu primeiro Chicou ou Caetano?
meu primeiro não, talvez meu primeiro chifre
ela declarou recentemente
que ao meu lado não tem mais prazer
minha primeira Elisabeta Bonante
deportada para a Itália após ser presa
na Escola Técnica de Química por ter feito
propaganha revolucionária na fábrica de tecidos
Nova América no operário bairro de Del Castilho
meu primeiro soneto da infidelidade
minha primeira dor de amor
minha primeira vaia de zumbido
meu primeiro aplauso de dedos
meu primeiros segredos de aparelhos
minha primeira cisma revolucionária
meu primeiro pau-de-arara imaginário
minha primeira Sílvia Kozinski,
musa beiçuda da saia curta
meus primeiros amigos que piraram
outros mais tarde chafurdaram-se
como porcos indefesos da chacina
da letal brancura ilusória da cocaína
minha primeira Albânia
o farol vermelho do camarada Ever Hodja
minha primeira Batmacumba iê iê
com Gil Mutantes e meninas bancando strep-teases
meu primeiro camarada preso morto na tortura
Joel Moreno deixava o morro do Borel
com um pacote de Classe Operária
consta ter sido incinerado no forno do Doi-Cod
minha primeira tomada do histórico prédio Capenama
minha primeira passeata dos 100 mil
minha primeira noite de amor livre
no apartamento de Romero Lascas
quando descobri que ainda não
sabia trepar com maestria
minha primeira porrada ginasiana
Pedro II Colégio Militar Ferreira Viana
minha primeira parada de sucesso no rádio
Disparada, A banda, Alegria Alegria, Obladi Obladá,
Eu quero é botar meu bloco na rua, A mão que
toca um violão, Já vem chegando a madrugada,
O meu canudo de papel, Para bailar la bamba,
Se for preciso faço a guerra,
Eu quero é que vá tudo pro inferno,
Por que não? Por que não?
meu primeiro treino de guerrilha
quando tive de dar uma de médico
na prainha Recreio dos Bandeirantes
quando o camarada Lucimar
apagou n´água após ataque epilético
meu primeiro desvio ideológico
por causa dos bilu-bilus
das trotkistas da Libilu
minha primeira Pantera Negra
meu primeiro Trini Lopes no bonde Lins de Vasconcelos
minha primeira olhada maliciosa para os joelhos da Nara Leão
meu primeiro papai comunista me empresta o carro
meu primeiro baseado nas imediações do Salgueiro
oferecido por um camarada da Ala Vermelha
meu primeiro Reis do Iê Iê Iê
meu eterno tio João Metalúrgico do Partidão
minha primeira senha insana:
- o elefante está latindo?
- não. a nuvem perdeu o trem…
minha eterna amiga Márcia de Almeida faz finanças no teatro Opinião, rouba livros teóricos pra vender pra burguesia,
resiste na Faculdade de Medicina
foge da prisão no campo do Botafogo
meu primeiro Vladimir Palmeira pendurado num poste
naquele delicioso aparece-some some-aparece
meus primeiros ílíderes
Travassos Franklim, Ceará, Brito, Jean Marques
a quem obedecíamos com centralismo democráticos
meus primeiros Janú e Marcos Igual
que mais tarde formariam o Comando Vermelho
com presos comuns na Ilha Grande
meu primeiro samba-enredo na Mangueira
o mundo encantado que Monteiro Lobato criou ô ô ô ô
minha primeira reunião da Ubes, em Teresópolis,
onde o conhaque fez a diferença
meu primeiro sabiá no maracanãzinho
pra não dizer que não falei de flores
em terra de carcará
meu primeiro aparelho de fuga
o apartamento das tias Alda e Gesilda em Copa
onde olhava mulher nua pela janela
e encontrava com Carlos Marighella
meu primeiro AI-5
fim da inocência
expulso da escola agora é a guerra popular de Lin Piao
cercar as cidades pelo campo
no imaginário Exercito Popular Revolucionário
meu primeiro hino anarquista
avante popochê
facchemu greve
viva lenine
morra kruchev
la media noche
céu estrelado
el santo papa
será enforcado
meu primeiro reveillon trêbado
misturado com velas flores garrafas de champanhe
e despachos de macumba
nas festas de Iemanjá da praia do Leblon
meu primeiro 69"


http://bit.ly/gmkTAT (Luis Turiba fala sobre o poema meiaoito)

terça-feira, 8 de março de 2011

Fernando Gabeira entende de aborto. Fez vários. Monstruoso o modo de contar.

"Ulla vivia uma outra época, e resolvi voltar para meu esconderijo. Acontece que ficou grávida e tivemos de nos reencontrar várias vezes para discutir o assunto. Já havia acontecido isto comigo no Brasil mas as circunstâncias eram outras. Na Suécia, a gravidez não é assim um problema muito especial, mas não deixa de ser um problema. Acreditei que Ulla queria voltar para mim através da gravidez e não encontrava o tom exato para ser solidário com ela e, ao mesmo tempo, mostrar que a relação tal como existia não ia prosseguir mais.
      Foi mediante a gravidez de Ulla que compreendi também as limitações suecas no que diz respeito ao aborto. Já havia sentido isto ligeiramente num filme de Bergman, No Limiar da Vida, mas, na época, meu nível de consciência era baixo.
     Ulla, como qualquer sueca em suas condições, teria direito ao aborto gratuito nos hospitais oficiais. Acontece que ela era atendida na mesma clínica em que eram atendidas as gestantes e, muitas vezes, forçada a esperar horas numa ante-sala cheia de mulheres grávidas, imensas fotos de crianças, recém-nascidos que eram mostrados aos pais orgulhosos - enfim, uma atmosfera completamente conflitante com sua opção de aborto.
     É a maneira através da qual a sociedade sabota uma lei considerada muito avançada para seu tempo. Ulla saía cada vez mais deprimida das consultas e sua crise após o aborto levou várias semanas para ser superada. Tudo foi feito com muita habilidade técnica, mas haja força para resistir à sensação de culpa que te transmitem só porque você está abortando.
     É difícil ser pai, de um ponto de vista de divisão das tarefas no parto. Foi muito mais difícil ser o parceiro naquele aborto, dadas as condições delicadas de nossa relação. Ulla sentia-se culpada pelo aborto, eu sentia-me culpado por estar no fundo tão distante daquilo: o feto se gestava na sua barriga e era de lá que seria arrancado, todo o desgaste físico seria dela; a mim caberia apenas expressar minha solidariedade, e com todo cuidado para que não pensasse que era o amor voltando".


(trecho do livro "O crepúsculo do macho" - Editora Codecri/1980)"



Gabeira, nas praias do Rio, de sunga de crochê
(na verdade, o biquini de sua prima Leda Nagle),
na sua volta ao Brasil, em 79.

segunda-feira, 7 de março de 2011

A CRISE DA FÉ NA CIÊNCIA

Joseph Ratzinger

"Na última década, a resistência da criação em ser manipulada pelo homem manifestou-se como um elemento novo no panorama cultural global. A questão sobre os limites da ciência e os critérios a que deve se ater tornou-se inevitável. Para mim, particularmente significativo desta mudança de ambiente intelectual é a maneira diferente como se julga o caso Galileu.
Esse fato, embora tenha recebido pouca atenção no século XVII, foi elevado, já século seguinte, a mito iluminista. Galileu aparece como uma vítima daquele obscurantismo medieval que perdura na Igreja. Bem e mal foram separados por um corte nítido. De um lado, encontramos a Inquisição: o poder que encarna a superstição, o inimigo da liberdade e do conhecimento. De outro, as ciências naturais representadas por Galileu. Eis aí a força do progresso e da libertação do homem das cadeias da ignorância que o mantêm impotente diante da natureza. A estrela da Modernidade brilha na noite escura de trevas da Idade Média (1).
De acordo com (Ernst) Bloch, o sistema heliocêntrico, bem como o geocêntrico, é baseado em pressupostos indemonstráveis. Entre eles, desempenha um papel preponderante a afirmação da existência do espaço absoluto, mas essa alternativa foi, porém, anulada pela teoria da relatividade. Ele escreve, textualmente:
“Dado que, com a abolição do pressuposto de um espaço vazio e imóvel, não é mais produzido qualquer movimento nesse sentido, mas apenas um movimento relativo de corpos entre si, e visto que a medida desse movimento depende da escolha do corpo tomado como um ponto de referência (...),então hoje, como outrora, se poderia supor a terra fixa e o sol em movimento”. (2).
Curiosamente, foi Ernst Bloch, com seu marxismo romântico, um dos primeiros a se opor abertamente a tal mito (iluminista), oferecendo uma nova interpretação do que aconteceu.
    A vantagem do sistema heliocêntrico sobre o geocêntrico não consiste em uma maior correspondência à verdade objetiva, mas ao fato de que nos dá uma maior facilidade de cálculo. Até aqui, Bloch expõe apenas uma concepção moderna das ciências naturais. Surpreendente, porém, é a conclusão que ele tira:
“Uma vez dada como certa a relatividade do movimento, um antigo sistema de referência humano e cristão não tem o direito de interferir nos cálculos astronômicos e na sua simplificação heliocêntrica;  mas tem o direito de permanecer fiel ao seu método de preservar a terra em relação à dignidade humana e de orientar o mundo quanto ao que vai acontecer e ao que aconteceu no mundo (3).
Se aqui ambas as esferas de conhecimento continuam claramente diferenciadas entre si quanto ao seu perfil metodológico, reconhecendo tanto seus limites quanto seus direitos, parece muito mais drástica, porém, a apreciação  do filósofo agnóstico-céptico P. Feyerabend. Ele escreve:
      “A Igreja da época de Galileu foi muito mais fiel à razão do que o próprio Galileu, e levou, antes, em consideração as conseqüências éticas e sociais da doutrina galileana. Sua sentença contra Galileu foi racional e justa, e só razões de oportunidade política se pode justificar a sua revisão. (4).
Do ponto de vista das conseqüências concretas da reviravolta provocada por Galileu, CF von Weizsäcker dá, enfim, mais um passo à frente quando ele vê uma ligação diretíssima que conduz de Galileu à bomba atômica. 
Para minha surpresa, em uma recente entrevista sobre o caso Galileu, nao me fizeram uma pergunta do tipo “Por que a Igreja quis impedir o desenvolvimento das ciências naturais?”, mas exatamente a pergunta oposta, ou seja: “Por Igreja não adotou uma posição mais firme contra os desastres que iriam acontecer necessariamente, uma vez que Galileu tinha aberto a caixa de Pandora?”
Seria um absurdo construir com base nestas declarações uma apologética apressada. A fé não cresce a partir do ressentimento e da recusa da racionalidade, mas a partir de sua afirmação fundamental e sua inscrição em uma razão maior. [...] Aqui eu quis recordar um caso sintomático que evidencia até que ponto a dúvida da própria modernidade sobre si mesma tenha alcançado  hoje a ciência e técnica."

* Texto original: http://www.ratzinger.us/modules.php?name=News&file=article&sid=210

(1)Cfr. W. Brandmüller, Galilei und die Kirche oder das Recht auf Irrtum, Regensburg 1982.
(2) E. Bloch, Das Prinzip Hoffnung, Frankfurt/Main 1959, p. 920; Cfr F. Hartl, Der Begriff des Schopferischen.
Deutungsversuche der Dialektik durch E. Bloch und F. v. Baader, Frankfurt/Main 1979, p. 110.
(3) E. Bloch, Das Prinzip Hoffnung, Frankfurt/Main 1959, p. 920s.; F. Hartl, Der Begriff des Schopferischen. Deutungsversuche der Dialektik durch E. Bloch und F. v. Baader, Frankfurt/Main 1979, p. 111.
(4) P. Feyerabend, Wider den Methodenzwang, FrankfurtM/Main 1976, 1983, p. 206.